(Quase)
nada a declarar
Estão acontecendo coisas tão estapafúrdias,
tão extravagantes e tão desanimadoras que me custa muito balbuciar algo. Pode
ser que essa minha sensibilidade à flor da pele veja moinhos e dragões onde os
outros só vêem letreiros luminosos.
Pode ser que isso seja coisa da minha
idealização do mundo. Pode. Mas, em verdade vos digo: nunca neste país a impostura deitou e
rolou com tanta desenvoltura.
Não se faz política para o bem geral - fofoca-se, em meio a exuberantes cortinas de fumaça. Não se pensa no interesse público, trata-se ostensivamente das ambições desmedidas e insaciáveis de cada um. É nesse plano menor que se dão os atritos e os conflitos. O noticiário é farto na exaltação do vale tudo pelo poder, qualquer poder. Porque de qualquer poder há sempre como tirar bom proveito.
Seguiu-se o conselho: às favas com os
escrúpulos. Necas de princípios. Ao inferno a coerência. Cinismo puro, cinismo
que alavanca carreiras e afunda compromissos no lamaçal das
conveniências, na fogueira das vaidades.
conveniências, na fogueira das vaidades.
Vive-se 24 horas na peleja pela conquista
de uma nesga de poder, para mantê-la a qualquer preço ou para resgatá-la em
caso de perda. É cada um puxando brasa para sua sardinha e é sobre as manobras nesse poluído
meio ambiente que se escreve a crônica midiática.
Mais nada. Um vazio glorificado. Ou pela
cumplicidade comprada ou pela indecência assimilada, ou pela superficialidade
deliberada.
À sombra e a margem os negócios
patrimonialistas prosperam a plenos vapores. Ninguém, absolutamente ninguém,
resiste aos eletrônicos cantos das sereias.
Não se avalia competência, mas
subserviência. Não se buscam valores; antes deles se foge como o diabo da cruz.
Fazer o quê?
Dizer o quê?
Ando calado esperando a travessia desses
dias torpes. Estou absolutamente na contramão dessa volúpia de poder. Dessa
ausência de caráter. Dessa dissimulação festejada. Dessa banalização da má
conduta. Estou mal das pernas.
Envelheci? Estaria esclerosado?
Chego aos 69 anos neste domingo. Vejo-me e
não me vejo. Olho-me e não me acho. Receio ser eu o insano. Temo estar
totalmente superado pela avalanche do arrivismo triunfante.
Não é a primeira vez que as náuseas me abatem. Sempre
consegui levantar-me a uma réstia de vida inteligente. Mas agora, o que há de
se esperar?
Não quero pronunciar uma só palavra do
arsenal que povoa meu cérebro nervoso. Não quero dar nomes aos bois.
Não posso. Fantasmas me atordoam num cerco
asfixiante. Sãos os fantasmas da solidão, da impotência e do revés. Temo-me
incrédulo. Será?
Não lhe peço que me decifre. Nem ao menos
que me entenda.
Não lhe peço nada. Não tenho direito nem de súplicas.
Não lhe peço nada. Não tenho direito nem de súplicas.
Só tenho a dizer por hoje que não há nada a declarar.
Valho-me do antigo ensinamento: neste
instante, o silêncio fala mais alto.
No mais, porém, numa recaída de quase
esperança, creio no gás que vem do sangue, do suor e das lágrimas de
indignados. Creio na energia dos que ainda pensam. E pensam criticamente.
Creio, apesar de tudo, que nem tudo está perdido.
Ou está?
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