Coronel enfrenta comissão e defende atuação na ditadura
Ustra diz que não houve assassinatos e que militantes que se opunham ao regime foram mortos 'em combate'
Oficial que comandou centro da repressão na década de 70 diz 'em nome de Deus' que nunca houve estupros
O oficial que comandou um dos principais centros da repressão política durante a ditadura militar (1964-1985) confrontou ontem integrantes da Comissão Nacional da Verdade e defendeu sua atuação na época, dizendo que sempre agiu conforme a lei.
"Nunca cometi assassinatos, nunca ocultei cadáveres, sempre agi segundo a lei e a ordem", disse o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, 80. "Não vou me entregar. Lutei, lutei e lutei", afirmou, exaltado e batendo com os punhos na mesa.
Ustra chefiou o antigo DOI-Codi de São Paulo de 1970 a 1974, período mais violento da repressão contra opositores do regime. Relatório do Exército citado ontem pela comissão aponta 50 mortes no DOI-Codi de 1970 a 1975.
Foi a primeira vez que a Comissão da Verdade organizou uma audiência pública para ouvir um militar envolvido com a repressão. Ustra obteve na Justiça o direito de ficar calado na sessão, mas não se conteve diante das perguntas dos integrantes da comissão.
Ele disse que cumpria ordens e que era necessário derrotar "organizações terroristas" cujo objetivo era instalar no país "uma ditadura do proletariado, do comunismo".
"Isso está lá escrito [nos programas dos grupos]. Inclusive nas quatro organizações terroristas [a] que a nossa atual presidente da República pertenceu", afirmou Ustra logo após chegar, usando bengala e óculos escuros, e acompanhado do advogado.
Dilma militou em grupos de esquerda que pegaram em armas para combater a ditadura, ficou quase três anos presa na década de 1970 e foi torturada. Foi a presidente que empossou a Comissão da Verdade, no ano passado.
Segundo o coronel, não haveria democracia no país se grupos como o de Dilma não tivessem sido derrotados: "Estou aqui porque os terroristas foram eleitos, dentro da democracia que preservamos". O Planalto não comentou as declarações de Ustra.
Ele silenciou ao ser indagado sobre métodos de tortura usados durante a ditadura e afirmou que só houve mortes em situações de confronto com militantes armados.
"No meu comando ninguém foi morto dentro do DOI. Todos foram mortos em combate. A mentira me revolta. Eram uns anjinhos que estavam lá dentro que foram mortos? Não, senhor. Foram mortos de arma na mão, na rua."
Questionado sobre estupros no DOI-Codi paulista, o coronel disse que nunca ocorreram. "Isso nunca aconteceu. Digo em nome de Deus."
Quando o ex-procurador Claudio Fonteles, membro da Comissão da Verdade, citou o documento que contabiliza as mortes ocorridas no DOI-Codi, o coronel afirmou que a informação já estava no livro que escreveu sobre o período, "A Verdade Sufocada".
Fonteles então sugeriu que o coronel fizesse uma acareação com o vereador paulistano Gilberto Natalini (PV), que diz ter sido torturado por Ustra, foi ouvido pela comissão antes dele e estava na plateia.
Segundo o vereador, o coronel o colocou nu sobre uma poça de água, ligou a ele fios elétricos e ordenou que declamasse poemas. Enquanto declamava, recebia golpes e choques, afirmou Natalini.
"Não faço acareação com ex-terrorista", gritou Ustra. Natalini reagiu, da plateia: "Eu não sou terrorista, viu coronel? Terrorista é o senhor!"
Dois homens se levantaram na plateia para defender Ustra. "Se terrorista pode falar, eu posso falar também" disse um deles a Natalini.
Fonteles gritou para acalmar os ânimos e a sessão logo teve que ser encerrada. Os dois homens cumprimentaram Ustra na saída. Um deles era o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, conhecido crítico da Comissão da Verdade. O outro não quis se identificar.
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