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quarta-feira, 15 de maio de 2013

SÓ SENDO...Unidos Pelo Pó =UPP


O País quer Saber

10/05/2013
 às 19:54 \ O País quer Saber

Depois de dois anos de ocupação no Complexo do Alemão, a bandidagem ainda comanda um naco da favela

Publicada na edição de VEJA de 13 de março, a reportagem de Leslie Leitão revela como estão as Unidades Pacificadoras de Polícia (UPPs) dois anos depois da estreia no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. As conclusões conduzem novamente à associação inevitável: imagina na Copa.
LESLIE LEITÃO
As cenas dos blindados da Marinha espantando a bandidagem de seu maior enclave no Rio de Janeiro – o aglomerado de favelas da Penha e do Alemão, na Zona Norte carioca – correram o mundo e demarcaram um novo capítulo na história do combate ao crime no Brasil. Nunca os marginais haviam perdido poder em um território tão estratégico. Houve desde aí avanços inequívocos nessa área onde residem 200.000 pessoas e que por décadas subsistiu à margem do estado. Mas, dois anos e três meses depois, a batalha do bem contra o mal chegou a uma encruzilhada. A retomada de terreno sob o jugo do crime – ponto nevrálgico da política de instalação de Unidades Pacificadoras de Polícia (UPPs) – vem sendo afrontada.
No Complexo do Alemão, o foco da resistência tem nome e lugar: chama-se Areal, um naco do morro de difícil acesso, emoldurado por um matagal de onde se pode acompanhar o vaivém da favela. Para cruzar a linha imaginária que delimita o lugar, só mesmo com a autorização do bando ali encastelado. Nas poucas vezes em que os policiais atravessaram a fronteira, arrependeram-se. Na última, em dezembro, um PM acabou alvejado com um tiro na cabeça. O bunker abriga o arsenal bélico e uma porção importante da droga que, sim, é vendida por todo o Alemão. É também o escritório do último dos chefões ainda não capturado: Luciano Martiniano da Silva, o Pezão. A polícia sabe que ele vai e volta àquela trincheira.
Nos últimos dois meses, VEJA acompanhou a vida no complexo, ouvindo mais de 150 pessoas, entre moradores, policiais e turistas – estes movidos pela curiosidade de pisar numa grande favela e pela vista deslumbrante que se descortina do alto. Chegam ao cume pelo teleférico que virou cartão-postal da era das UPPs, já baseadas em 31 antigos domínios do crime no Rio. Por seu relevo tomado de ruelas labirínticas, sua extensão e proeminência no crime, é o Alemão que impõe de longe os maiores obstáculos.
As primeiras conquistas são visíveis. O amontoado de lixo e o emaranhado de fios ilegais pendentes vão aos poucos sendo subtraídos da paisagem. A frequência e o rendimento escolar subiram e o morro avança rumo à formalidade: 460 negócios foram recém-legalizados e há até um shopping à vista. Mas a persistência dos criminosos e suas constantes exibições de poder, ainda que sem a velha ostentação de fuzis, continuam a intimidar os cidadãos de bem – e são um lembrete contundente de que é preciso sustentar com mão de ferro a guerra contra a lógica criminosa que sempre reinou. “Nunca tivemos a ilusão de que os bandidos fossem desistir fácil. Resta-nos ainda uma longa missão”, reconhece o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.
A bandidagem se reorganizou em novas bases, agora mais modestas e discretas, instalando seus Q.G.s em locais sem UPP. Os soldados do tráfico passaram a circular no Alemão em grupos de cinco ou seis, e não mais em “bondes”, às dezenas. Carregam pistolas escondidas e pequenos lotes de drogas, dos quais podem se livrar rapidamente se necessário. Há bocas de fumo nos becos e vielas, e não mais à vista de todos.
As poucas apreensões realizadas nas semanas em que VEJA esteve no Alemão mostram que a droga chega já embalada em saquinhos com preço, identificação do conteúdo e um selo em que se lê CV, as iniciais da facção que atua na favela. O pacote pequeno de cocaína (“Suave Veneno”) custa 3 reais, e o maior (“Avenida Brasil”), 10. Os preços são os mesmos cobrados antes da instalação da UPP. Um economista poderia concluir que a força pacificadora não acarretou nenhum aumento no custo marginal da cocaína na favela – trocadilho que nesse caso tem sua dose de realidade.
Os traficantes não arredaram pé dos negócios que tocam na base do terror. Eles continuam a cobrar um pedágio – ou “taxa”, no jargão local – dos vendedores de gás: 5 reais o botijão. No último dia 19 de janeiro, um desobediente, talvez depositando excessiva fé nos novos tempos, fez que se esqueceu da tarifa. Foi morto a tiros em uma das praças centrais do complexo.
Não foi a única barbárie presenciada por VEJA no Alemão.Em 23 de fevereiro, a movimentada Praça do Terço ferveu de gente que foi ao Baile da Paz, iniciativa da UPP para substituir as agora proibidas noitadas promovidas pelos marginais, embaladas a drogas e funks com letras de apologia ao crime. O morador Edival Carvalho Miranda, 39 anos, participou da organização. Os chefes do tráfico sentiram-se ofendidos com a iniciativa. Dois dias depois, veio o castigo. O corpo de Edival foi encontrado com dois buracos de tiro na cabeça, sinais claros de execução. Sinal também da antiga e devastadora certeza da impunidade, o combustível do crime organizado.
Do lado da polícia, a favela também parece ter voltado ao seu passado de trevas. Quem mais sabe das coisas em uma favela carioca são os mototaxistas. VEJA ouviu de uma dezena deles a mesma história. Policiais da banda podre estão extorquindo 30 reais mensais dos mototaxistas, a infame taxa de segurança que eles antes pagavam aos bandidos.
A presença da UPP na favela tem a dinâmica de uma cabeça de ponte, o termo militar para descrever a situação altamente instável em que apenas um pedaço do terreno do inimigo foi conquistado. Em uma situação dessas existem duas possibilidades apenas. O avanço ou o revés total, com a retomada do território pelo inimigo.
O revés total é um fantasma que paira sobre a UPP. O avanço só será possível com uma mudança radical na polícia, a começar pela própria formação dos agentes. O propósito mais nobre da UPP é permitir que as instituições da vida civilizada cheguem à população favelada. Isso significa, antes de mais nada, que os direitos de cidadania das pessoas serão garantidos pelo estado. Nos territórios retomados, os policiais deveriam ser reconhecidos como o braço armado das instituições. Em muitos lugares isso é apenas uma utopia.
No ano passado, 46 policiais que atuavam em UPPs foram flagrados e presos por crimes contra a população local. Esquemas de propina já foram desnudados aos montes em favelas ocupadas – o mais recente no pequeno Fallet/Fo­gueteiro, no centro do Rio, onde bandidos de farda recebiam mesada de 53 000 reais do chefão da área, que continua à solta. A VEJA, a Secretaria de Segurança revelou a entrada em operação de um serviço de inteligência montado exclusivamente para investigar e coibir crimes de policiais de UPPs. É uma boa iniciativa, mas insuficiente para impedir o retrocesso.
Os militares que fazem seu trabalho com honestidade são alvo constante de tiros de fuzil disparados por traficantes contra suas precárias instalações – contêineres de aço adaptados para abrigar pessoas. Num dia de janeiro, em represália a incursões da polícia, os marginais cravaram diversos balaços na parede de uma UPP. Não custa lembrar que a força policial foi colocada nos morros para pacificá-los.
Os frequentes ataques a bala mostram que esse objetivo está longe de ser alcançado. Os tiroteios continuam fazendo parte do cotidiano com a mesma espantosa naturalidade com que um grupo de garotos brincava de guerrear no meio da rua com “armas” feitas com canos de PVC sobre as quais eles fantasiavam: “Essa é uma Desert Eagle. Em casa tenho um FAL e um AK”. Se nada for feito, a inocente brincadeira vai evoluir para cenas reais de crimes no futuro.

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