O segundo grande (as)salto
Guilherme Fiúza, O Globo
No programa partidário do PT na TV, Lula e Dilma comemoraram uma década no poder. Criador e criatura fizeram uma espécie de dueto, alternando frases estimulantes sobre seus feitos nos três mandatos consecutivos e sobre o que ainda vem por aí. “A questão básica agora é a qualidade”, anunciou Dilma. Os brasileiros certamente acordaram eufóricos no dia seguinte.
Depois de dez anos de governo, o PT tem a bondade de oferecer qualidade ao país. Agora ninguém segura. Nessa escalada virtuosa, depois da qualidade o governo popular talvez ofereça felicidade. E depois – suprema ousadia – honestidade.
Houve inclusive um ligeiro mal-entendido em torno da mensagem petista na TV. O partido prometeu ao povo, daqui para frente, “o segundo grande salto brasileiro”.
Como a mensagem é um tanto enigmática, algumas pessoas entenderam que o PT estaria anunciando o “segundo grande assalto brasileiro” – dando a entender que os autores do primeiro assalto não serão mesmo presos, e portanto estariam aptos a repetir o golpe.
Mas essa é uma conclusão precipitada. Todos sabem que o PT não depende dos réus do mensalão para reeditar a trampolinagem. Nesse quesito, o que não falta ao partido é peça de reposição.
Especialistas estão tentando decifrar o que afinal o partido quis dizer com esse tal “segundo grande salto”. Alguns acreditam que seja uma referência cifrada aos sapatos que Rosemary usava em Roma, onde os contribuintes brasileiros bancaram sua recreação na elegante embaixada brasileira.
A despachante de estimação de Lula e Dilma, especializada em tráfico de influência junto às agências reguladoras, não foi convidada pelos padrinhos para a comemoração dos dez anos no poder – uma indelicadeza, considerando seus vastos serviços prestados ao governo popular. Se bem que Dilma escalou o ministro mais importante do governo, Gilberto Carvalho (da Secretaria-Geral da Presidência) para embaralhar as investigações contra Rosemary, o que já é um presentão.
O salto alto de Rose é, sem dúvida, um símbolo do poder petista. E o “segundo grande salto” talvez seja um recado tranquilizador aos companheiros de que os negócios subterrâneos prosseguirão normalmente, mesmo sem a rainha de Roma.
Outra leitura possível – ainda na simbologia do poder feminino valorizado na era Dilma – é que o segundo grande salto seja a volta de Erenice ao Olimpo petista. A ex-ministra-chefe da Casa Civil, preparada por Dilma para ser seu braço direito no governo e derrubada pela imprensa burguesa (só porque montou um bazar de influências no palácio), ressuscitou em grande forma.
Muito bem relacionada, ela hoje opera para Dilma discretamente, na área dos grandes negócios privados que dependem de um sorriso governamental. No setor de energia, que a presidente desmonta aos poucos com suas tarifas de mentira, Erenice reina. Para quem até outro dia era investigada pela Polícia Federal, é praticamente um salto ornamental.
Se o segundo grande salto do PT no Planalto não for nenhum desses, pode ter alguma coisa a ver com os preços. O já famoso salto do tomate, no qual a inflação dos companheiros saiu finalmente do armário, foi só o começo. Apesar dos truques e esparadrapos ilusionistas, o dragão voltou com força de mil Erenices depois de dez anos de gastança pública dos progressistas.
O ministro Mantega apareceu no programa petista para prometer que continuará sendo “implacável” no setor dos preços, o que praticamente garante o segundo grande salto – restando apenas esperar para ver quem substituirá o tomate como figura símbolo. Os saudosistas preferem o chuchu, primeira grande estrela da disparada da inflação nos anos 70.
Não deixou de ser comovente, no show televisivo do PT, a euforia daquele pessoal que está há uma década defendendo com unhas e dentes seus cargos no primeiro escalão. Lá estava Fernando Pimentel, o ministro vegetativo do Desenvolvimento, que não largou o osso depois da descoberta de suas consultorias invisíveis e milionárias.
A política é uma mãe. Ser presidente da República, por exemplo, é uma excelente opção para os sem vocação, esses que ficariam vagando pelo mercado de trabalho sem possibilidades de ascensão, ganhando mal e levando bronca do chefe. Uma pessoa assim virar presidente e passar a mandar em todo mundo, com murro na mesa e tudo que tem direito, é o autêntico milagre brasileiro. Mais gostoso que isso, só anunciar ao país a triunfal chegada da “qualidade” – com teleprompter, claro, para não arriscar demais.
E a qualidade está chegando aí, para todo mundo ver, com a criação do 39º ministério do governo popular. Mais cargos, mais verbas, mais alegria – e mais qualidade de vida para o Brasil, o país de todos os que assinaram as fichas de filiação certas. Que venham os próximos dez anos, porque ainda há muito para depenar.
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