Ética republicana, por Merval Pereira
Merval Pereira, O Globo
A repercussão internacional que está tendo o julgamento do mensalão, em especial a sessão de segunda-feira, que determinou penas de prisão em regime fechado para o ex-chefe da equipe de Lula, José Dirceu, e Delúbio Soares, além de condenar à prisão em regime semiaberto o ex-presidente do PT José Genoino, dá bem a dimensão política que esse julgamento tem e também revela a percepção que no estrangeiro há de nossos hábitos e costumes, não sem razão.
A definição das penas do núcleo político petista está sendo vista, e não só no estrangeiro, como demonstração de que o tempo da impunidade de ricos e poderosos está ficando para trás, mas não são poucos, diria até que são a maioria, dentro e fora do país, os que ainda não creem que banqueiros e políticos importantes passarão algum tempo na cadeia em regime fechado.
Esse é ainda um longo caminho a percorrer até que se tornem corriqueiras decisões como as que estão sendo tomadas pelo STF.
É claro que não creio que a corrupção desaparecerá da nossa vida política, mas o julgamento do mensalão pode ser o início de um processo que transformará a corrupção política em jogo de alto risco, e a certeza da punição se encarregará de refrear o apetite com que hoje políticos de todos os partidos se jogam na corrupção, na certeza de que nada lhes acontecerá.
Da mesma forma, os chamados “crimes do colarinho-branco” têm nas decisões do STF caminhos mais claros para serem punidos, com a jurisprudência que ficará sobre lavagem de dinheiro ou formação de quadrilha, por exemplo, sem falar na famosa teoria “do domínio do fato”, que, com base em provas testemunhais e indiciárias, pode ser usada com mais frequência em crimes em que o mandante não costuma deixar rastros visíveis.
A feliz coincidência de que o ministro Joaquim Barbosa assumirá o comando do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça pelos próximos dois anos é a garantia de que a cruzada contra a corrupção no país não sofrerá uma descontinuidade, dando tempo para que esse novo espírito se espalhe por todo o corpo do Judiciário.
Como ressalta o deputado Chico Alencar, líder do PSOL, o final do julgamento do mensalão petista, que também condenou figuras de relevo de PTB, PR, PP e PMDB, é o “início de um processo não de ‘judicialização da política’, como alguns proclamam, mas de combate à corrupção na política”.
Aproveitando-se da proximidade da data da Proclamação da República, o também historiador Chico Alencar destaca que é importante ficar claro que esse marco inicial, longe de ser terminal ou mesmo emblemático por inteiro, “apenas aponta para novos tempos na busca, que completa 123 anos amanhã, da ética republicana. Essa precisa se enraizar na sociedade como um todo e produzir uma adesão militante e uma nova cultura, que se oponha ao “rouba, mas faz” ou ao “política é assim mesmo, todos são iguais”.
O líder do PSOL enumera fatos que, na sua opinião, mostram como ainda temos muito a caminhar: o recente e vergonhoso fiasco da CPI Cachoeira/Delta, a demora em julgar o mensalão tucano-mineiro (Ação Penal 536, que tem no STF também Barbosa como relator) e o mensalão do DEM/DF (Ação Penal 707, no STJ).
Mas o que o preocupa é não ver “reação mais significativa no nosso mundo político a fim de coibir as práticas que deram origem a essa tragédia para alguns líderes históricos do PT e de outros partidos — com menor repercussão porque “o pecado do pregador é sempre pior que o do pecador”.
Ao contrário, ele lembra que, “para evitar transparência, aperfeiçoam-se os ardis para o financiamento interessado de campanhas e o tráfico de influência nos mandatos”.
A expressão mais evidente seriam as “doações ocultas” para os partidos, que, como O GLOBO revelou na edição do último dia 9, chegaram, em algumas capitais, nas eleições municipais recentes, a 80% do arrecadado por candidaturas vitoriosas.
“Ou seja, o ovo da serpente continua sendo chocado, inclusive por alguns que, cinicamente, se dizem chocados com a corrupção que o STF condenou”, arremata Chico Alencar.
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