Show de ineficiência
Correio Braziliense - Vicente Nunes - 05/11/2012
A fama de durona e de boa gestora da presidente Dilma Rousseff correu o mundo. Mas, passados quase dois anos de seu mandato, nem os gritos nem os murros na mesa têm sido suficientes para superar a ineficiência de seus auxiliares em tirar do papel obras de infraestrutura importantíssimas para o crescimento sustentado do país. Pior, quase todas as ações executadas pela equipe econômica foram voltadas para o consumo. Não passaram nem perto dos investimentos que tanto o Brasil necessita. Nesse ponto, por sinal, tratou de espantar o capital ao privilegiar grupos escolhidos como vencedores e ao mudar regras de acordo com a conveniência.
Ainda que poucos tenham se dado conta da fatura — sobretudo, a futura — com a qual o país está arcando, a ineficiência do governo começa a deixar pesadas marcas. A começar pelo resultado no acumulado do ano da Bolsa de Valores de São Paulo, de alta de apenas 2,8%. Os mais otimistas vão se apressar e dizer que um resultado positivo neste momento, quando o mundo está metido em um atoleiro, é para ser comemorado. Mas vejamos.
Nos Estados Unidos, onde a economia também anda capenga, o índice Standard & Poor’s 500 (S&P), da Bolsa de Nova York, aponta valorização de 12,4%. No México, cuja economia está atreladíssima à norte-americana, o ganho chega a 12,6%. Na Turquia, a bolsa avança 39,3%; na Alemanha, que está a caminho da recessão, 24%. Entre as economias emergentes, somente a China apresenta desempenho pior que o da BM&FBovespa, com queda de 3,7% entre janeiro e o início de novembro.
O motivo de a bolsa brasileira estar sendo castigada é evidente: os investidores fizeram as contas e perceberam que, além da interferência política em companhias estratégicas, a indústria nacional encontra-se em uma situação complicada. Não está conseguindo conter os custos diante do forte aumento dos salários e das perdas constantes com a infraestrutura deficiente. Assim, empresas multinacionais têm preferido transferir parte da produção para os EUA, onde os salários estão em queda, há grande oferta de mão de obra qualificada e a legislação trabalhista é mais flexível. Mas não é só: a infraestrutura norte-americana é um espetáculo e a principal locomotiva do planeta consegue responder com agilidade às intempéries da natureza.
Com a competição restrita, as empresas nacionais trataram de aumentar os preços
Domingo passado, antes de o furacão Sandy atingir Nova York, carros e mais carros da empresa de energia elétrica já preparavam a cidade para o pior. O sistema de vigilância sanitária também fazia a sua parte. No último sábado, caminhões do Exército distribuíam gasolina — em algumas regiões, de graça — para restabelecer o abastecimento. No Brasil, há risco de faltar combustível no fim deste ano e nada de efetivo está sendo feito para evitar transtornos à população. Há pelo menos dois anos se fala em melhorias dos aeroportos, e nada — apenas puxadinhos. Mais da metade das estradas do país estão intransitáveis, impondo um custo extra superior a R$ 80 bilhões às empresas.
Protecionismo
A transferência de produção das múltis para os EUA está beneficiando também o México, onde a preocupação com o setor produtivo é evidente. Lá, a economia está crescendo o dobro da brasileira, puxada pela indústria. Aqui, todo o avanço do consumo, bombado pelas medidas de estímulos do governo, foi suprido 100% pelas importações. Ou seja, em vez de as fábricas nacionais ampliarem as linhas de produção, para tirar proveito da sede das famílias em comprar, foram as mercadorias de fora que abasteceram os lares. Não só complementaram a oferta, como tiraram 3,5% do mercado das empresas brasileiras apenas neste ano.
O mais assustador é que, com o discurso de proteger o parque industrial do país, o governo partiu para medidas protecionistas, criando barreiras à entrada de vários produtos. Com a competição restrita, as empresas nacionais trataram de elevar os preços, que ajudam a manter a inflação acima de 5% ao ano. Nessa toada, Brasília definiu que estatais do porte da Petrobras têm de comprar máquinas e equipamentos com elevados conteúdos nacionais, mesmo que sejam obrigadas a pagar até 50% mais que os importados e mesmo sem a garantia de entrega nos prazos previstos.
Dólar a R$ 2,50
Para reduzir um pouco o impacto da sua ineficiência sobre o setor produtivo, o governo teria que permitir a alta do dólar dos atuais R$ 2 para R$ 2,50. Mas não fará isso por causa do impacto da desvalorização do real na inflação. Os mais sensatos da equipe econômica ressaltam ainda que o dólar mais forte daria maior competitividade aos produtos brasileiros no exterior por um tempo determinado, não muito longo.
Não se pode esquecer que, mesmo em crise, os Estados Unidos e a Europa estão promovendo mudanças importantes na estrutura de suas economias, reduzindo custos, principalmente. Assim, quando derem a volta por cima, estarão muito mais atrativos para o capital privado, para os investimentos na ampliação das fábricas e do emprego. E, melhor, vão tirar proveito da China, que, daqui a 10 anos, será um espantoso mercado consumidor. O Brasil, contudo, continuará correndo atrás, com baixa produtividade, mão de obra caríssima e infraestrutura de terceiro mundo.
Sem concorrente
Nos últimos dias, assessores do governo tentaram justificar o injustificável diante da queda de 1% da produção industrial em setembro. Encontraram todos os tipos de desculpas, até o de que o mês teve quatro dias úteis a menos que agosto. Melhor seria se toda essa energia fosse usada para executar as obras públicas, quase todas paradas. É isso que a população quer.
Não custa lembra que faltam dois anos para a atual administração chegar ao fim. E a sorte da presidente Dilma Rousseff é que, até onde os olhos podem ver, independentemente do desempenho pífio da economia, ainda não há no horizonte ninguém que lhe faça sombra na campanha pela reeleição.
Vicente Nunes é editor de Economia
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