A Nextel, que pode ser beneficiada por novo marco regulatório da Anatel, compra empresa falida e endividada de marido de Erenice, que ajudou a desenhar o… marco regulatório! Mais uma fábula real do mundo petista!
Eita! Ainda paro de dar opinião e investigar advérbios e acabo virando repórter investigativo!
Quando Deus inventou a coincidência, os petistas entraram pelo menos 13 vezes na fila. Ô povo para dar sorte nesta vida, Santo Deus! Eu sempre penso como emblema dessas coisas aquele caso da venda do apartamento da ex-mulher de Dirceu. Ela estava a fim de vender. Precisava de um dinheiro adiantado, em espécie. Quem apareceu? Rogério Tolentino, advogado e sócio de Marcos Valério. Coincidência. Os três foram condenados pelo STF. Muito bem. Abaixo, vou lhes contar uma história que parece meio enrolada, mas que, creio, no fim, resulta compreensível. Remete, mais uma vez, ao universo petista e às… coincidências. A personagem do partido que aparece na história é Erenice Guerra, a ex-braço direito de Dilma Rousseff e ex-ministra da Casa Civil do governo Lula. Caiu, como todo mundo sabe, depois de uma série de reportagens de VEJA que só lhe atribuiu o que fez — e nada que não tenha feito. Vamos lá. Desta feita, quem está em pauta é o bilionário mercado da telefonia. Qual o busílis?
O Conselho Geral da Anatel vota hoje o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC). E, mais uma vez, a coincidência mostra a sua cara. A que me refiro?
A mudança regulatória que o PGMC traz ao setor de telefonia ocorre exatamente no momento em que a Nextel entrou com um pedido na Anatel de compra da empresa Unicel do Brasil Telecomunicações Ltda. Unicel, Unicel, Unicel… Ah, lembrei! É aquela empresa que pertence ao… marido de Erenice Guerra, José Roberto Campos. Está entre os motivos que resultaram na sua queda. Prestem atenção!
A Unicel começou a operar quando Erenice era a todo-poderosa no Palácio do Planalto, no governo Lula. Era a segunda da superministra Dilma Rousseff. Em 25 de junho de 2007, a empresa recebeu autorização da Anatel para explorar a telefonia móvel na região mais cobiçada do país — a cidade de São Paulo e outros 63 municípios da região metropolitana. Apesar de o estatuto da Anatel dizer claramente que se trata de um órgão independente, em 30 de março de 2010, a então secretária executiva da Casa Civil da Presidência da República — Erenice!!! — houve por bem enviar um documento ao então presidente do Conselho da agência, Ronaldo Sardenberg, estipulando “ações regulatórias prioritárias”. Como não podia deixar de ser, o documento traz o carimbo “Confidencial”.
Nesse documento, Erenice tece uma série de regras que ela achava que deveriam valer para o setor de telecomunicações. Entre elas, a implementação do “Plano Geral de Metas de Competição”, incluindo um “regulamento de remuneração das redes do SMP” (Serviço Móvel Celular, sigla para o setor de telefonia celular).
Erenice não teve tempo de ver suas regras implementadas. Caiu seis meses depois, em setembro de 2010. Coincidência ou não, a Unicel fica mal das pernas na mesma época, com pedidos de falência e processos trabalhistas. Hoje, deve dinheiro até mesmo à Anatel em razão do não pagamento de licenças concedidas. Não percam o fio. Ainda voltarem à Unicel.
Dois anos depois
O tempo passa. Quase dois anos depois da queda de Erenice, a Anatel coloca em consulta pública o tal PGMC, provocando um tiroteio das empresas consolidadas no mercado. Quem já está no jogo não quer mais competição. Faz sentido, sim, a Anatel comprar essa briga. Mas eis que, no meio da briga, coisas estranhas começam a acontecer. Descobre-se um jabuti pesando algumas toneladas em cima de uma árvore.
No texto original da Anatel da consulta pública, não havia imposições de competição relacionadas à telefonia celular, ma sim à telefonia fixa. Eis que, no texto final, que será votado hoje, apareceu um tal “Bill and Keep” — um sistema que reduz as tarifas de interconexão entre as operadoras de celulares, com uma redução maior para novos competidores. Eu explico.
Tarifa o quê??? Grosso modo, diz-me um amigo da área, é o seguinte: se um celular Vivo liga para um da Claro, entra na rede da Claro, e esta empresa tem de ser remunerada; se o da Claro liga para o da Oi, idem. Se o da Oi para o da Tim, a mesma coisa. Isso se chama “Tarifa de Interconexão” (a sigla é VU-M). Muito bem. Em nome da competição, o que prevê o novo PGMC? Reproduzo trecho de um texto de um site especializado na área:
“Pela proposta, as pequenas empresas — CTBC, Sercomtel e Nextel, que começará no final do ano o serviço de celular — não precisarão mais pagar a VU-M para as grandes empresas. Elas só irão remunerar as quatro grandes quando o tráfego delas for muito maior do que o tráfego das outras, o que é uma possibilidade bem distante, tendo em vista que elas têm muito menos clientes gerando tráfego. Mas seus usuários continuam a pagar a VU-M embutida na tarifa final de público”.
Huuummm…
É claro que as quatro grandes não gostaram, e eu não sou lobista de nenhuma delas. Aliás, já andei enroscando aqui com os serviços da Vivo e da Claro, já peguei no pé da Oi (ex-Telemar) por causa do decreto de pai pra filho de Lula que lhe permitiu comprar a Brasil Telecom, e já cobrei da Tim que pare de usar o adjetivo “ilimitado” como se fosse advérbio em suas propagandas… Também nada tenho contra a competição, ora bolas, embora ache estranho esse critério que obriga as grandes a colaborar com as pequenas. Por quê? Se eu montar uma empresa de sorvete, devo exigir que a Kibon colabore comigo? Mas vá lá. Se for bom para o consumidor e não afrontar os fundamentos do livre de mercado, ok.
O jabuti gigante
Mas me ficou esta coisa: por que a Nextel, uma das empresas chamadas “entrantes”, que será fatalmente beneficiada pela eventual mudança das regras, protocolou justo agora a compra de uma empresa falida como a Unicel — aquela, do maridão de Erenice? Erenice? É a mesma que tinha ideias sobre competição na área, que acabaram prevalecendo. O pedido de compra deu entrada em 29 de outubro, quatro dias antes da votação pela Anatel das novas regras.
As dívidas da Unicel são estimadas pelo mercado em mais de R$ 100 milhões. A Nextel pagou R$ 1,21 bilhão para ela própria ter 11 lotes de 3G, que incluem coberturas em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Não há razão econômica ou mercadológica visível — até onde a vista convencional alcança ao menos — para a compra da empresa operada pelo marido de Erenice Guerra. Até porque, pelas regras atuais, a Nextel teria que devolver algumas das licenças da Unicel, pois uma empresa não pode operar com duas licenças iguais na mesma região — no caso, São Paulo.
Reitero: a única coisa que a Unicel tem além de uma dívida estimada em R$ 100 milhões são as licenças para operar — que a Nextel também tem! Pois parte desse único patrimônio positivo terá de ser devolvido.
Viva a competição! Viva o povo! Viva a Classe C! Telefones à mancheia! Mas por que a Nextel, uma das entrantes, está comprando a Unicel? Seria mais uma daquelas coincidências que beneficiam petistas, que entraram 13 vezes na fila???
Um breve histórico
Pois é… Não é a primeira vez que cuido do assunto, não! Num post de 18 de setembro de 2010, referindo-me a uma reportagem publicada, então, por VEJA, escrevi o seguinte:
Marido de Erenice está num negócio que pode render R$ 100 milhões saídos dos cofres públicos
A VEJA desta semana traz outra história edificante, desta vez envolvendo o atual marido de Erenice Guerra, José Roberto Camargo Campos (foto). Ele convenceu uns amigos, que tinham uma minúscula empresa, a disputar o mercado de telefonia móvel em São Paulo. Em 2005, a Unicel, tendo Camargo como diretor comercial, conseguiu uma concessão da Anatel para operar em São Paulo. Por decisão pessoal do então presidente da agência, Elifas Gurgel, a empresa ganhou o direito de entrar no mercado. A decisão foi contestada na Anatel, mas Erenice entrou na parada, e tudo foi resolvido. Os que eram contra mudaram de idéia e foram promovidos.
Sim, foi assim mesmo, leitor. A empresa está no vermelho e acumula dívidas de R$ 20 milhões. Desastre? Não! Leia a revista para saber como o Plano Nacional de Banda Larga — que apelidei aqui de “Bandalheira Larga” — pode render à Unicel a bolada de R$ 100 milhões. Quem cuidava do PNBL, para o qual se anunciou a dinheirama de R$ 14 bilhões? Erenice! Quem é o operador do programa? Gabriel Boavista Lainder. Quem é Lainder? Um ex-funcionário da Unicel. Quem o indicou para o cargo? O marido de Erenice. “O marido da Erenice é um cara que admirava meu trabalho. Ela me disse que precisava de alguém para coordenar o PNBL”. Qual é o endereço da Unicel? Um modestíssimo escritório onde também funciona uma empresa de mineração do… marido de Erenice. A revista traz ainda toda a ramificação da Família Erenice no governo e nas estatais. É impressionante! Chegou a hora de Dilma repetir a declaração de Lula de 2005: “Fui traída”
Pois é, leitor…
Se você clicar aqui, encontra todos os textos sobre o par Unicel-Erenice no blog. Entre eles, há trecho de uma reportagem da Folha de 24 de março do ano passado. Reproduzo:
Na Folha:
A CGU (Controladoria-Geral da União) encerrou ontem as investigações de denúncias envolvendo a ex-ministra Erenice Guerra e familiares dela. Foram apontadas irregularidades “graves” em 3 dos 9 fatos investigados. Braço direito da presidente Dilma no governo Lula, Erenice deixou o ministério em setembro do ano passado, após a Folha revelar que ela tinha recebido um empresário que negociou contrato com firma de lobby de um filho dela. Não houve irregularidade nesse caso, segundo a CGU.
A controladoria considerou, porém, que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) beneficiou a empresa de telefonia Unicel ao conceder a ela uma faixa de frequência em condições privilegiadas e recomendou que a agência suspenda imediatamente a outorga. A Unicel era dirigida à época pelo marido da então ministra Erenice. A CGU recomenda à Anatel que abra processo para investigar os responsáveis por terem beneficiado a empresa e não apontou culpados. A controladoria também apontou “irregularidade grave” num convênio entre o Ministério das Cidades e a Fundação Universidade de Brasília que causou prejuízo de R$ 2,1 milhões aos cofres públicos. Segundo a CGU, o trabalho não foi entregue. José Euricélio, irmão de Erenice, era coordenador-executivo de projetos na editora da UnB.
A CGU também apontou problemas graves na contratação pelos Correios da empresa aérea MTA Linhas Aéreas em contratos que somavam R$ 59,8 milhões.
Erenice não foi encontrada para comentar o caso.
Encerro
Erenice foi vista recentemente transitando livremente pelo TCU, cuidando de assuntos relacionados à área de transportes ou algo assim. Pelo visto, ela está de volta. Em grande estilo. A Nextel, que quer ser uma entrante no mercado de telefonia, decidiu dar uma forcinha ao maridão daquela que ajudou a desenhar o marco regulatório que lhe permite ser… uma entrante!
Uma coincidência que só acontece no mundo petista!
Texto publicado originalmente às 6h15
Por Reinaldo Azevedo
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