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domingo, 16 de março de 2014

O MOVIMENTO CÍVICO-MILITAR DE 64- Parte 1ª

O Movimento Cívico-Militar de 31 de Março
 de 1964

Por Manoel Soriano Neto*
1. Considerações Preliminares
a. Muito já se disse e escreveu acerca do memorável Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964, também chamado de Revolução ou Contrarrevolução. Hoje, em face da atual conjuntura política, este importante capítulo da História-Pátria é propositadamente omitido, deturpado e/ou interpretado sob um viés revanchista e ideológico. Urge, pois, que a verdade seja exposta e restabelecida, máxime para a juventude, que vem sendo vítima de uma atoarda constante de desinformação e propaganda, encetada pelos perdedores de 50 anos atrás.
b. Assim, pretendemos trazer à apreciação dos queridos leitores, de forma acadêmica, cronológica, abrangente e perfunctória, sempre imbricada com a fidelidade histórica, selecionados e importantes enfoques, dentre tantos, relativos aos acontecimentos ocorridos naqueles idos de 1964. Acreditamos, piamente, que "História é Verdade e Justiça!"
c. Duas breves explicações: a) não foi possível o devido afastamento nosso, sob um prisma histórico, eis que houve um inevitável envolvimento emocional de nossa parte, ao escrever este texto e b) não elaboramos uma bibliografia ao final do trabalho, citando apenas algumas fontes de pesquisa, no decorrer do escrito; é que foram inúmeras as obras às quais recorremos (em especial os Relatórios Históricos Anuais de várias Organizações Militares do Exército), ficando difícil a escolha das que deveriam ser apresentadas. Pedimos desculpas por essa proposital transgressão a normas consagradas da boa didática e rogamos paciência a todos, pois a apreciação é longa, como não poderia deixar de ser, e boa leitura!
2. Recorrência Histórica
a. Mister se faz, antes de abordarmos fatos relacionados ao Movimento, que façamos um retrospecto de seus antecedentes de cunho histórico-político-ideológico, aí incluídas as suas causas profundas, remotas e recentes. Tudo para que bem se compreenda como se passaram alguns episódios que desejamos lembrar, não esquecendo de que vivíamos em pleno período da "guerra fria".
b. Inicialmente, eis uma incompleta e muito sumária cronologia de aspectos (pródromos) antecessores do 31 de Março de 1964, que julgamos relevantes, aos quais acrescentamos algumas achegas ancilares:
1) Em 1922, é criado, no Brasil, o "Partido Comunista - Seção Brasileira da Internacional Comunista", posteriormente chamado de Partido Comunista do Brasil. Anote-se que havia uma cláusula no programa deste novel Partido, subordinando-o ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS) - principal ramificação do Movimento Comunista Internacional (MCI) -, a quem devia obediência partidário-institucional, tanto que dele era uma Seção, sendo as diretrizes emitidas por Moscou, fielmente cumpridas. A faina proselitista desenvolvida pelos comunistas era intensa e constante, inclusive nas Forças Armadas, o que deveras alarmava o governo.
2) Em final de novembro 1935, eclodiu em Natal, Recife e Rio de Janeiro, a Intentona Comunista. O seu principal mentor foi o ex-capitão do Exército, Luiz Carlos Prestes, que cumpriu ordens recebidas da Rússia. O termo "intentona" quer dizer "intento diabólico, louco", o que de fato foi, eis que militares fardados, coturnos calçados, em pleno cumprimento do dever legal, foram chacinados, à socapa, por companheiros de farda - facínoras crapulosos -, de forma cruelmente traiçoeira e covarde. Todos os anos, em 27 de novembro, junto ao monumento erguido na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, as Forças Armadas rendem um comovente preito de homenagem aos heróis-mártires da barbárie comunista, que, daquela época aos dias atuais, foi sempre repudiada pelos militares brasileiros, sendo certo que "esquecer, também é trair". Diga-se que durante anos, tal cerimônia contou com a presença do presidente da República, o que não mais acontece, lastimavelmente, sendo também hoje proibidas as solenidades alusivas, nas Organizações Militares, o que é mais lamentável ainda. Recomendamos, por ser a melhor fonte histórica sobre o assunto, a nosso sentir, a leitura das edições históricas do Jornal Inconfidência, de Belo Horizonte, intimorato periódico que há anos vem abordando, com profundidade e riqueza de detalhes, esta página triste de nossa História que bem pode ser sintetizada em duas palavras apenas: traição e covardia.
3) No ano de 1937, o presidente Getúlio Vargas implantou o "Estado Novo". Duas ideologias antípodas se digladiavam acerbamente: o comunismo e o integralismo. As Forças Armadas foram infiltradas por profitentes das ditas ideologias. A paz pública encontrava-se muito abalada e uma das razões da implantação da Nova Ordem foi o restabelecimento da lei e da ordem.
4) Em 1945, os militares depuseram o presidente Vargas e foram realizadas eleições gerais, tendo sido eleito presidente, o general Eurico Gaspar Dutra; o Partido Comunista elegeu diversos candidatos, inclusive Luiz Carlos Prestes para senador. Prestes declarou, de forma apátrida, que se o Brasil entrasse em guerra com a Rússia, estaria ao lado deste país...
5) No ano de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro do Partido Comunista do Brasil (era esta a denominação; o Partido Comunista Brasileiro, com a sigla PCB, só será instituído em 1960), em face da já citada cláusula que o vinculava ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS), pela série de badernas e pertinaz doutrinação ideológica por ele promovidas em todo o país, além das revoltantes e impatrióticas declarações de Prestes.
6) Fidel Castro assume o poder em Cuba, no ano de 1959.
7) Em 31 de janeiro de 1961, toma posse na presidência da República, o candidato da União Democrática Nacional (UDN), Jânio da Silva Quadros, que vence por larga margem de votos o candidato do Partido Social Democrático (PSD), general Teixeira Lott. Mas Jânio frustra os seus eleitores da conservadora UDN ao empalmar teses esquerdistas, chegando a condecorar, em 19 de agosto de 1961, com a mais alta comenda nacional (a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul) o sanguinário guerrilheiro Ernesto "Che" Guevara. Também ele se volta à prática de atos menores e mesquinhos, eufemisticamente chamados de "iniciativas moralizadoras", como a proibição de corridas de cavalo, brigas de galo, uso de biquínis nas praias, etc.
8) No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renuncia ao seu mandato, surpreendendo toda a nação. Tal atitude estupefaciente ocasionou uma grave crise político-militar, posto que os ministros militares, almirante Sílvio Heck, general Odylio Denys e brigadeiro Grum Moss, eram contrários à posse do vice-presidente João Goulart, que visitava, oficialmente, a China comunista. Houve, então, uma séria e indesejável cisão nas Forças Armadas, devido à reação do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que criou a "Rede da Legalidade" a favor da posse de Goulart, contando com o apoio do comandante do III Exército, general Machado Lopes. O regime parlamentarista foi a solução encontrada para se evitar uma guerra civil. Mas o país, dividido, mergulha em grave crise institucional...
9) Em janeiro de 1963, realizado um plebiscito, João Goulart assume, plenamente, os poderes presidenciais. Inicia-se um período de intensa instabilidade político-social; de colapso das instituições e da economia - em plena bancarrota, com a insolvência financeira do país, obrigado a mendigar empréstimos e investimentos a credores estrangeiros; de uma inflação galopante; de crescente desabastecimento de gêneros de primeira necessidade, com filas intermináveis junto aos mercados e armazéns; de aviltamentos salariais; de agitações populares no campo, nas cidades, nos meios estudantil, político, sindical e militar; de infiltração comunista em todas as expressões do Poder Nacional, inclusive na Igreja, nas Forças Armadas e Polícias Militares (havia células comunistas em vários quartéis) e no meio estudantil; de luta pela implantação de uma "República Sindicalista", com todo o poder para os sindicatos; de criação de milícias ou grupos paramilitares, como as "Ligas Camponesas", no Nordeste, e os "Grupos dos Onze Companheiros", no Sul do país; de constantes (quase que diárias) greves em serviços públicos essenciais e também de cunho político-ideológico, com agressivos piquetes nas entradas das fábricas e empresas; de incitamento à convulsão social (era o "quanto pior, melhor"), promovido por poderosas organizações político-sindicais, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Ação Popular (AP), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e Ação (PUA), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e outras, como denunciou à nação, o general Pery Bevilácqua; de inversão de valores; de tentativas, por vezes coroadas de êxito, de quebra da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas - o que era até incentivado pelo próprio presidente da República, como evidenciaremos, adiante, etc, etc. Diga-se que aquele estado de caos teve o total repúdio da imprensa, do clero, de parte significativa do Congresso Nacional, da imensa maioria da população ordeira e laboriosa e das Forças Armadas - à exceção de uma minoria minimante, atrelada ao débil "dispositivo militar", o qual, dizia-se, - "cortaria a cabeça da direita" -, e que foi montado pelo chefe da Casa Militar da Presidência, general Assis Brasil (assinale-se que este militar, após a consolidação do movimento revolucionário, foi o mais severamente punido, dentre os oficiais-generais, eis que expulso do Exército e não expurgado da Instituição, para a inatividade, "ex officio", como outros das três Armas, contrários à Nova Ordem). Aqui, façamos um alentado parêntese, conexo ao tema: muito se condena, hodiernamente, o "golpe militar da direita com o apoio do imperialismo ianque". Entretanto, os pregoeiros sofistas dessas teses falsas e canhestras, normalmente prosélitos esquerdistas, recusam-se a contextualizar os fatos e a entendê-los de forma holística; a procurar saber para aonde estávamos sendo conduzidos, polítco-ideologicamente; a indagar a quem interessava a erosão da hierarquia e da disciplina e o rompimento da coesão nas Forças Armadas (procuravam lançar os sargentos contra os oficiais e tinham o apoio, lamentavelmente, de um pequeno segmento de oficiais-generais, alcunhados de "legalistas" e de "generais e almirantes do povo"); a relembrar a REAÇÃO da esmagadora maioria (refrise-se) dos brasileiros ao estado de anarquia então vigente e das históricas "Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade". Esquecem-se da repulsa ao governo central, da parte dos governadores dos principias estados da Federação, de grande parcela do Congresso, dos principais meios de comunicação de massa, da Igreja, etc; negam-se a rever o que foi farta e amplamente publicado na grande imprensa jornalística daquela época (as manchetes e editoriais dos maiores periódicos encontram-se disponíveis na internet...); a pesquisar os relatórios das Organizações Militares que foram protagonistas das ações para a derrubada do governicho de então; a ler, em bons livros e revistas, os historiadores isentos e não contaminados ideologicamente (antológico foi o artigo publicado, em separado, nas "Seleções do Reader's Digest", de novembro de 1964, intitulado "A Nação que se Salvou a Si Mesma"); a inquirir os de ilibada honestidade intelectual, que viveram a hostil conjuntura em comento e podem, com conhecimento de causa, analisá-la com imparcialidade, tudo levando à comprovação da INEVITABILIDADE da Contrarrevolução (ao depois, explicaremos esta expressão) de 1964, igualmente apodada, com muita propriedade, de "Revolução Redentora!". Todo bom historiador sabe que a História não se repete, mas ela contém leis invariáveis e constantes que se aplicam a relevantes momentos da evolução da humanidade, como as do "horologium historiae" ou "pendulum historiae" (relógio ou pêndulo da História). Ora, em vista da situação caótica dos anos imediatamente anteriores e de 1964, a revolta da população brasileira e de suas Forças Armadas não poderia ser outra e era nitidamente previsível e inexorável, como inexorável foi o igualmente acontecido em inúmeros outros países que passaram por situações semelhantes, ao longo dos tempos. Historiadores norte-americanos dizem que "em História, não há "ifs and buts". Mas hoje, no Brasil, existe uma caterva de impostores despreparados, cabotinos, boquirrotos e revanchistas, sem repertório cultural suficiente, meros repetidores de frases feitas, chavões ou bordões esquerdistas, que se aproveitam do lastimável menosprezo de nosso povo para com a memória histórica do país, e desejam, de forma capciosa, sibilina e nebulosa, a releitura e/ou a modificação, a seu talante, de forma amadorista, inconsequente e irresponsável, dos fatos históricos e das milenares e imutáveis balizas da História, a "Mestra da Vida". É muita presunção, para não dizer hipocrisia, oportunismo, desfaçatez e demagogia, desses tão conhecidos medíocres e mentirosos velhacos, considerados "politicamente corretos", neo-escrevedores e contadores de estórias. Eles, verdadeiros "estelionatários culturais", em constante, maniqueísta e reducionista interpretação dos episódios existenciais, à luz de um insidioso dogma marxista, chamado de "materialismo histórico e dialético," passam a impressão, em particular para os jovens e os incautos, de que existe uma História de direita e outra de esquerda (esta, chamada de "Nova História", "História Combatente" e de outras enganosas rotulações).
c. Ainda no bojo desta sintética cronologia, passemos à apresentação das principais causas, remotas e recentes, a nosso entender, que levaram à eclosão do Movimento:
1) Causas Remotas (Mediatas):
a) A criação, em 1922, da agremiação política formadora do futuro Partido Comunista do Brasil, em especial pela ação doutrinário-propagandística fortemente desencadeada em todo o País, com sérios reflexos para a paz social.
b) A Intentona Comunista de 1935, já abordada, anteriormente. Não consideramos o "tenentismo", como querem muitos, uma das causas remotas da Contrarrevolução, apesar do acendrado patriotismo e acrisolado idealismo ("a regeneração da Pátria") de jovens e valorosos oficiais como Juarez Távora, Cordeiro de Farias, Eduardo Gomes e outros que participaram ativamente das ações em 1964. É que houve uma ofensa contundente à disciplina, à hierarquia e à autoridade, quando vitoriosa a Revolução de 1930, ocasião em que os "Tenentes" passaram a chefiar superiores hierárquicos, por conta das funções que exerciam, mormente as de Interventores em vários estados. Um dos objetivos da Revolução de 1964 era, em especial, a restauração dos mencionados princípios, fortemente violentados...
2) Causas Recentes (Imediatas), dentre outras:
a) A renúncia de Jânio Quadros, em 1961, já apreciada.
b) A fundação, em maio de 1962, da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), de feição comuno-sindicalista, à revelia dos regulamentos militares, embrião de um nocivo "sindicalismo ou associativismo militar", assaz pernicioso, no seio das instituições militares. Abalizados analistas afirmavam que tal Associação era um verdadeiro "soviete" bolchevique, encravado na Marinha de Guerra.
c) A Revolta dos Sargentos em Brasília. Tal bernarda ocorreu em 12 de setembro de 1963, na Capital Federal, deflagrada por suboficiais e sargentos da Marinha e da Aeronáutica e motivada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que considerou ilegal a elegibilidade das Praças. Os sublevados ocuparam as instalações do ministério da Marinha e de outras instituições federais, além de fazerem prisioneiro um ministro do STF. Diga-se que, estranhamente, naquele dia, o presidente da República ausentara-se de Brasília, só regressando depois que o Exército debelou a rebelião.
d) O monumental comício de 13 de março de 1964, realizado na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com a presença do presidente da República, de vários ministros (inclusive o da Guerra) e de gradas autoridades. O presidente prometeu implementar as reformas, "na lei ou na marra", e foram pronunciados diversos e incendiários discursos que pregavam a desobediência civil, a luta de classes, a encampação das refinarias de petróleo, a revisão da Constituição, a subversão em todas as expressões do Poder Nacional, etc. A massa humana vociferava agressivas palavras-de-ordem e portava bandeiras vermelhas com a foice e o martelo, do Partido Comunista, faixas e cartazes alegóricos insultuosos aos "gorilas", aos "fascistas", aos "reacionários", ao governador da Guanabara, Carlos Lacerda, etc.
e) A Circular Reservada do Chefe do Estado-Maior do Exército (EME), General-de-Exército Humberto de Alencar Castello Branco, datada de 20 de março de 1964. Nessa Circular, o chefe do EME prevenia seus subordinados para o acelerado processo de instauração de uma "Constituinte como caminho para a consecução das reformas de base e o desenvolvimento em maior escala de agitações generalizadas do ilegal poder do CGT". Advertia que "As Forças Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos". E, adiante: "A ambicionada Constituinte é um objetivo revolucionário pela violência com o fechamento do atual Congresso e a instituição de uma ditadura. A insurreição é um recurso legítimo de um povo". E mais à frente: "Entraram as Forças Armadas numa revolução para entregar o Brasil a um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento pseudo-sindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada vez mais onerosa aos cofres públicos? Para talvez submeter a nação ao comunismo de Moscou? Isto, sim, é que seria antipátria, antinação e antipovo".
Como se observa, o general Castello Branco já vislumbrava uma iminente revolução comunista no país. O jornal "O Globo", de 5 de abril de 1964, estampou a seguinte manchete: "A Revolução Democrática antecedeu de um mês a revolução comunista". Ainda mais: o falecido historiador e militante comunista do PCBR, Jacob Gorender, chamou, com franqueza e honestidade, a Revolução Redentora, de "um golpe preventivo" (segundo Jarbas Passarinho, in " O Estado de São Paulo", 19 Dez 2004, artigo "Apogeu e Declínio do Ciclo Militar"). Destarte, são muito coerentes e apropriadas as afirmações de competentes exegetas, de que a Revolução de 31 de Março foi, na realidade, um contragolpe, uma Contrarrevolução, vale dizer, uma revolução oposta à outra revolução, de cunho ideológico e sectário, que estava em avançado andamento, cujo objetivo maior era a bolchevização do Brasil e, posteriormente, da América do Sul. Acrescente-se que o termo "Revolução" foi cunhado pelo famoso jurista Francisco Campos. Isso era necessário, juridicamente, para a caracterização do vitorioso Movimento como de natureza revolucionária (implantação de uma Nova Ordem), tendo em vista o imprescindível respaldo jurídico para a investidura no exercício do Poder Constitucional. Francisco Campos foi o principal redator do Ato Institucional n° 1 (promulgado em 9 Abr 64), e, neste documento de nossa História Política, usou o citado termo, no preâmbulo do Ato, "ipsis litteris": "Fica, assim, bem claro que a Revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação". Sob tais fundamentos, o Comando Supremo da Revolução manteve a Constituição Federal de 1946, com pequenas modificações, e o Congresso Nacional. Eis, portanto, o principal motivo por que o "Movimento Civil e Militar", para usarmos expressão insculpida no referido AI-1, é considerado uma "Revolução". Ainda a respeito do assunto, preleciona o eminente coronel Jarbas Passarinho, em magistral artigo de título "A História Revisada", in "Correio Braziliense", de 3 de abril de 2001: "O 31 de Março foi uma contrarrevolução, maciçamente apoiada pela sociedade civil, imprensa à testa, o Congresso por sua ampla maioria, a Igreja igualmente".
f) O Manifesto "Sentinelas Alertas". Em 22 de março de 1964, a imprensa publicou um histórico Manifesto de 72 generais da reserva aos seus irmãos de armas, de título "Sentinelas Alertas", em que os signatários alertavam a nação e as Forças Armadas quanto às ações ilegais do presidente da República, que extrapolava os "limites da lei" (esta expressão era da Constituição de 1946, como comentaremos adiante), e estimulava, de forma solerte, a luta de classes, a cizânia e a inversão de valores no meio militar.
Era a relembrança dos velhos Soldados, de um mui antigo brado castrense: "Sentinela Alerta? – Alerta Estou!"
g) O Motim dos Marinheiros. Em 25 de março de 1964, cerca de 1.400 sócios da já mencionada e ilegal Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) amotinaram-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, gritando palavras-de-ordem e dando vivas a João Goulart e ao Almirante Aragão (comandante do Corpo de Fuzileiros Navais). Os insurretos exigiam o reconhecimento da espúria AMFNB e a anulação das punições impostas aos seus membros; a imediata substituição do ministro da Marinha; a modificação dos regulamentos militares; a elegibilidade das praças; o aumento dos vencimentos, etc, etc.
O ministro da Marinha determinou, em 26 de março, que um contingente de Fuzileiros Navais cercasse e prendesse os sublevados. Tal tropa se insubordina, abandona as armas em plena via pública e adere aos revoltosos. O ministro se demite e é nomeado para o ministério, o almirante da reserva Paulo Mário, militar sabidamente esquerdista.
No dia 27 de março, a marujada passa a comemorar as vitórias obtidas, deixa o Sindicato em ruidosa e vexatória passeata, com uniformes em desalinho e adulterados, bradando violentos "slogans" e carregando nos braços, os almirantes Suzano e Aragão, eles fardados. Em consequência dessa gravíssima perturbação da ordem, com a quebra da disciplina e da hierarquia, o Exército recebeu ordens de cercar e prender os insurretos.
h) A reunião de Juiz de Fora. No dia 28 de março de 1964, às 1700 h, realizou-se, no aeroporto de Juiz de Fora (MG), uma reunião solicitada pelo Marechal Odylio Denys, à qual estiveram presentes o governador Magalhães Pinto, o general Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, o comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel José Geraldo, e outras autoridades. Tudo ficou acertado para que o Movimento partisse de Minas Gerais, e, por sugestão do Marechal Denys, foi marcada a data-hora: 310600 Mar 64. Assinale-se, por muito relevante, que a Revolução de fato se inicia em 30 de março e não no dia 31, após o governador Magalhães Pinto lançar um Manifesto, desligando o estado de Minas, da Federação, até que o presidente da República fosse deposto. Esse fato histórico, tão pouco lembrado, será por nós comentado mais à frente.
i) A Reunião do Clube Naval. Centenas de oficiais da Marinha se reuniram no Clube Naval, no Rio de Janeiro, em 29 de março de 1964, indignados com "a destruição da Marinha e das Forças Armadas, pela quebra da disciplina e da hierarquia". A reunião redundou no lançamento de um Manifesto ao povo brasileiro, da parte de 1.500 oficiais daquela Força, em que afirmavam "ter chegado a hora de o Brasil defender-se". A Imprensa apoiou abertamente o Manifesto que obteve grande repercussão nacional, no Congresso e nas duas outras Forças.
j) As "Marchas da Família com Deus pela Liberdade". Estas foram manifestações espontâneas, ocorridas nas principais capitais do país. Era o povo nas ruas, aos milhares (em especial os clérigos e as mulheres, portando terços, imagens de santos, velas, faixas, cartazes, etc), num protesto cristão e democrático contra o que se passava no Brasil do início dos anos 1960. Tais marchas, de fortíssimo apelo emocional, muito influíram para o desencadeamento da Revolução.
k) A reunião no Automóvel Clube. Na noite de 30 de março de 1964, realizou-se uma megarreunião, com a presença do presidente da República, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. O evento congregou cerca de 2.000 militares (a maioria, praçasdas Forças Armadas e Polícias Militares de vários estados, da qual participou, para gáudio dos presentes, o famigerado Almirante Aragão. Como ocorrera no comício da Central do Brasil, vários oradores usaram da palavra, inclusive o presidente da República. Maus brasileiros, "pelegos" civis - ligados a João Goulart -, e militares bastardos, proferiram discursos radicais, inflamados, insolentes, repletos de invectivas contra a democracia, incentivadores do divisionismo no seio militar e atentatórios a princípios basilares das Forças Armadas. Sim, pois eles defendiam o deletério "sindicalismo militar", as "reformas de base na lei ou na marra", o abrandamento dos regulamentos militares, a legalização da Associação de Marinheiros, uma nova lei de promoções, a elegibilidade das praças, o aumento dos vencimentos, etc, com ameaças de "sérias represálias do povo" aos que se opusessem a essas reivindicações. O pundonor das gloriosas e invictas Forças Armadas Brasileiras foi, então, vergonhosa e acintosamente enxovalhado. A televisão mostrou ao vivo aquelas cenas deploráveis. Era a gota d'água que faltava. Quem as viu, pôde sentir, sem dúvidas, que estava próxima a deposição de Jango; e, de fato, no dia seguinte, o "Destacamento Tiradentes" deslocava-se de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, onde ele se encontrava com os seus auxiliares diretos, no Palácio Laranjeiras.
3. A Infringência da Ordem Jurídica
"As Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la".
(jurista Pontes de Miranda, in Jornal do Brasil, 6 Abr 64)
a. Quando da eclosão da Revolução de 1964, estava em vigor a Constituição de 1946. Aquela "Lex Legum" continha preceitos muito claros e insofismáveis e que foram inquestionavelmente infringidos pelo Primeiro Mandatário da Nação. Tal fato implicou, entre outras nefastas consequências, no solapamento dos princípios da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas.
O parágrafo único do artigo 83 da dita CF explicitava, quanto ao ato da posse, o compromisso do presidente da República: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição da República e observar as suas leis". O artigo 176 primava por sua clareza: "As Forças Armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei". O artigo 177 também era bastante cristalino: "Destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem". Ora, se o presidente ao pregar abertamente a quebra da constitucionalidade, estimulando a luta de classes marxista nas Forças Armadas, com flagrante ofensa, torne-se a frisar, à hierarquia e à disciplina (comício da Central do Brasil, apoio a marujos sublevados, reunião de confraternização com praças das Forças Armadas e Polícias Militares, etc) agia, indubitavelmente, fora dos "limites da lei" (rever o artigo 176, da CF/46), em frontal testilha com as normas constitucionais, normas que as Forças Armadas eram obrigadas a garantir (artigo 177, da CF/46)... Daí o general Castello Branco ter alertado, repita-se, em 20 de março de 1964: "A Insurreição é um recurso legítimo de um povo".
b. O Estatuto dos Militares (Decreto-Lei n° 9.698, de 2 de setembro de 1946) prescrevia, "in verbis": " Art 31. Cabe aos militares a responsabilidade integral das decisões que tomam ou dos atos que praticam, inclusive na execução das missões e ordens por eles taxativamente determinadas. Parágrafo Único: No cumprimento de ordem emanada de autoridade superior, o executante não fica exonerado da prática de qualquer crime".
c. O Código Penal Militar (CPM) – Decreto-Lei n° 6.227, de 24 de janeiro de 1944, asseverava no artigo 28 e seu parágrafo primeiro: "Art 28. Se o crime é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem de superior hierárquico, em matéria de serviço, só é punível o autor da coação ou da ordem. § 1°. Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior".
d. Do antes expendido, conclui-se que aos militares era defeso o cumprimento de ordens, sob pena de cometeram crime, se estas fossem flagrantemente atentatórias à lei e à ordem e que pusessem em risco, por exemplo, a autoridade, a hierarquia e a disciplina, fundamentos constitucionais das Forças Armadas. Tais ordens ilegais e abstrusas foram dadas pelos ministros militares e pela cúpula do chamado "dispositivo militar" do governo deposto em 1964. Não foram cumpridas pela imensa maioria das tropas enviadas (1ª Divisão de Infantaria e Grupamento de Unidades Escola, Grandes Comandos do Rio de Janeiro) para barrar, em 31 de março/1° de abril de 1964, os deslocamentos da 4ª Divisão de Infantaria (Minas Gerais) e do II Exército (São Paulo) em direção à Guanabara. Tudo de acordo com os ditames da CF/46, do Estatuto dos Militares e do Código de Processo Penal (CPM). E também pela falta de liderança dos generais janguistas.

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