02 | 05 |
2012
Nas mãos dos ministros-constituintes
Por:
Percival Puggina
Assisti a boa parte das sessões em que o STF
deliberou sobre a adoção de quotas raciais para ingresso nas universidades públicas.
Praticamente todos os votos foram ornados com líricas declarações de amor à
justiça pela igualdade. Estavam dispostos a servi-la às mancheias. O ministro
Fux, por exemplo, não falava. As palavras lhe gotejavam como favos de mel
enquanto o versejador Ayres Britto ralava os cotovelos na quina da mesa.
Joaquim Barbosa cedeu a cadeira a Castro Alves e quedou-se em pé, atrás,
feliz por "estar ali, nest'hora, sentindo deste painel a
majestade".
A ministra Rosa Maria, tecendo frases como quem
bordasse sobre tela, assentou "que a ação tinha de ser julgada à luz da
Constituição, que consagra o repúdio ao racismo e o direito universal à
educação". Foi um alívio, àquelas alturas, ficar sabendo que a ação seria
julgada à luz da Constituição porque eu já desconfiava de que os votos estavam
sendo iluminados pelos estatutos de algum movimento racial. Contudo, ficaram a
quilômetros das ponderações da ministra as inevitáveis decorrências do voto que
deu: doravante incorrerá em racismo e afrontará o direito universal à
Educação toda universidade, pública ou privada, toda feira do livro, todo
prêmio literário, que não prover as tais cotas. Marco Aurélio, por pouco, muito
pouco, não disse que a adoção de quotas raciais se justifica porque
o Estado é laico.
Levandowski, o ministro-relator, foi saudado como a
princesa Isabel da sessão. Só não lhe deram tapete vermelho e damas de
companhia porque não ficaria bem. Mas sua imensa contribuição para a
justiça racial no Brasil o fará ombrear, na história, com a filha de D. Pedro
II. Ao lado da Lei Áurea, haverá de estar, para sempre, o Voto Diamantino que
relatou à corte. O ministro, contudo, tinha um problema. Havia um preceito, na
Constituição, segundo o qual ninguém pode ser discriminado por motivos de cor,
etc.. E era demasiado óbvio que o regime de cotas raciais feria essa
prescrição ao criar exceções ao mérito como critério seletivo. A arguição
de inconstitucionalidade do regime de cotas alegava que os positivamente
discriminados ingressam na universidade com nota inferior à obtida por aqueles
que, negativamente discriminados, ficam de fora apesar de haverem obtido nota
superior. Como saiu-se dessa encrenca o ministro? A possibilidade da
discriminação positiva não poderia ser permanente, disse ele. Não poderia ser
uma porta aberta para a eternidade. Precisaria valer apenas enquanto
necessária. Só por uns tempos. Caso contrário, ocorreria
ainconstitucionalidade. Capice? Enxuguemos pois as consequências,
provisoriamente, através dos séculos, enquanto permanece aberta, a montante,lá
no bê-á-bá do sistema público de ensino, a torneira das causas. Mas quem se
importa?
De jeitinho em jeitinho, vai-se a Constituição para
o brejo, a segurança jurídica para o espaço e o Poder Legislativo para o outro
lado da praça. Se o Congresso se omite em legislar, andam dizendo os
ministros-constituintes, o STF precisa agir subsidiariamente. Esquecem-se de um
dado da dinâmica parlamentar: quando o Congresso não delibera é porque não há
entendimento sobre a matéria. E isso é absolutamente normal,significando que o
parlamento, provisoriamente, decidiu não decidir. Aliás, a ideia de que o
Estado precisa emitir leis sobre tudo e sobre todos é irmã do totalitarismo.
Quando, nas normas que conduzem qualquer organização humana - do estatuto do clube
à constituição nacional - se pretende criar exceções ou
regulamentar detalhes, produz-se uma balbúrdia com efeito contrário ao
pretendido. Em vez de esclarecer, confunde-se cada vez mais. Por favor! Menos
leis, mais liberdade.
Fonte: Blog da Mídia@Mais
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