Pesquisar neste Blog

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Comissão de Anistia nega indenização a Cabo Anselmo


22/05/2012 19h35 - Atualizado em 22/05/2012 20h07

Ex-marinheiro, apontado como agente duplo na ditadura, pediu R$ 100 mil.

Decisão final cabe ao ministro da Justiça; defesa ainda pode recorrer.

Priscilla Mendes Do G1, em Brasília

 
A Comissão de Anistia negou nesta terça-feira (22) o pedido de indenização feito pelo ex-cabo da Marinha Anselmo José dos Santos, conhecido como Cabo Anselmo. O ex-marinheiro, apontado como agente duplo durante o regime militar, pediu reparação de R$ 100 mil por ter sido supostamente preso e perseguido pela ditadura.

O colegiado acompanhou o relator do processo, Nilmário Miranda, que levantou a tese de que Cabo Anselmo era um agente infiltrado nos grupos militantes de esquerda. Ele votou pelo indeferimento do pedido de indenização e de anistia política. "A Comissão de Anistia é legalmente impedida de anistiar autor ou cúmplice de crimes contra a humanidade", afirmou durante o voto.

A decisão da comissão ainda precisará ser submetida à decisão final do ministro da Justiça. Antes, a defesa de Cabo Anselmo ainda poderá recorrer ao plenário da própria Comissão em até 30 dias ou mesmo entrar com o pedido na Justiça.

Cabo Anselmo era marinheiro e, durante a ditadura, alega ter sido perseguido por atuar contra o regime nos anos 1960. Após sua prisão, em 1971, ele passou a colaborar com os militares, inclusive delatando antigos companheiros da luta armada. Ele alega que colaborou para não ser morto. Durante o julgamento, o advogado sustentou que ele foi perseguido pelos militares e falou apenas sob ameaça.

Em seu processo na Comissão de Anistia, protocolado em 2004, Cabo Anselmo pediu indenização de R$ 100 mil, sob alegação de que, antes de colaborar com o regime, teria sido perseguido, preso e exilado. A defesa pediu ainda anistia política e contagem do tempo em que Cabo Anselmo foi perseguido e exilado para efeitos de aposentadoria. Todos os pedidos foram negados pelo colegiado.

'Fato controverso'
O relator ponderou que há a possibilidade de o ex-marinheiro ter sido alvo de perseguição nos primeiros anos da ditadura, a partir de 1964. Ainda assim , disse, "tal circunstância não afasta a necessidade do indeferimento do pedido". Miranda foi aplaudido ao concluir seu voto.
"[Cabo Anselmo] pode ter sido alvo de perseguição politica nos primeiros anos da ditadura, embora tal fato seja bastante controverso", declarou. O relator classificou como "absurdo" premiar uma pessoa "que contribuiu com a barbárie".
"Nenhuma nação democrática pós-conflito desculpa-se com os violadores dos direitos humanos", afirmou. Há registros, segundo assessoria do Ministério da Justiça, de que informações fornecidas por ele contribuíram para a morte de aproximadamente 200 opositores do regime.

Miranda afirmou que Cabo Anselmo deve ser tratado como um agente que contribuiu para a morte de 100 a 200 pessoas - "como ele [Anselmo] gosta de se gabar" - e não como perseguido político do regime.

Julgamento

Quatro testemunhas foram ouvidas. Entre elas, Genivalda Melo da Silva, viúva de José Manoel da Silva, marinheiro que teria morrido devido a informações prestadas ao regime pelo Cabo Anselmo. "Ele ser anistiado para mim vai ser a maior vergonha desse país. Eu não aceito. Eu confio nessa comissão que ele não vai ser anistiado", afirmou a viúva. Ela teve de ser atendida por brigadistas porque se emocionou durante a sessão.

Ao final do julgamento, o presidente da comissão, Paulo Abrão, argumentou que "o direto a reparação é devido a quem foi perseguido político, às vitimas da ditadura". Cabo Anselmo, afirmou Abrão, "assume publicamente que ele foi um agente de violação dos direitos humanos. Nesses termos, há um impedimento legal para que nós possamos promover qualquer tipo de reparação".

Para julgamento desta terça, o colegiado reuniu mais de 4 mil documentos, muito deles ainda inéditos, segundo a assessoria. A sessão teve um formato especial, com 12 conselheiros, diferentemente dos demais julgamentos, nos quais as turmas são formadas por 4 membros. O plenário completo da Comissão de Anistia tem 24 conselheiros.

Defesa

O advogado de defesa, Luciano Juliano Blandy, rebateu a hipótese de que Cabo Anselmo teria sido um agente infiltrado desde 1964. "Essa versão é baseada em argumentos ilógicos e em depoimentos frágeis", disse.

Blandy alegou que, caso seu cliente fosse mesmo um "provocador" infiltrado nos grupo de esquerda, essa seria uma informação "altamente secreta, que ninguém em seu juízo perfeito iria compartilhar com uma secretária ou com um delegado de um dos entes da União", afirmou, rebatendo as testemunhas que prestaram depoimento durante a sessão.

Em relação ao chamado Massacre da Chácara São Bento – episódio em que seis militantes de esquerda foram torturados e mortos em uma chácara, em Pernambuco –, o advogado disse que Anselmo José dos Santos "não sabia o destino que estava sendo reservado aos seus companheiros". O ex-marinheiro é apontado como delator do encontro.

Na época, Cabo Anselmo tinha apenas, afirmou o advogado, duas opções: falar e viver ou calar e morrer. "Louvemos a coragem daqueles que escolheram a segunda, mas não desprezemos aqueles que optaram por falar e viver, até porque Anselmo não foi o único", argumentou Blandy.

"Não me parece justo que eu e minha geração outorguemos às gerações futuras uma nação que condena um septuagenário a viver como uma não pessoa, sem identidade, sem aposentadoria, na mendicância porque aos trinta anos foi um delator. [...] Não vim pedir que goste dele ou de sua história. Se o ódio à sua pessoa é unanimidade, pouco importa, até a unanimidade deve respeito a norma vigente", afirmou o advogado.

Fonte: G1

Nenhum comentário: