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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

RESPEITAR É DEVER...ACEITAR É OPÇÃO


Pesquisa Datafolha evidencia outra vez: o brasileiro é conservador. Ou: Eleitores em busca de um partido


No mundo inteiro, partidos políticos buscam eleitores. No país da jabuticaba, da pororoca e da polícia que faz greve quando trabalha (a tal “operação padrão”), dá-se o contrário: os eleitores estão em busca de um partido. Como ele não existe, os coitados vão se virando com o que há por aí… Uma nova pesquisa Datafolha prova pela enésima vez: a maioria do povo brasileiro, salvo numa questão ou outra, é conservadora. Nos países democráticos, civilizados, onde a palavra “direita” não virou palavrão — e por que viraria quando nos lembramos de líderes como Churchill, Adenauer ou De Gaulle? —, essa gente seria considerada… “de direita”. Por aqui, tratam-se os números quase com certo pesar, como se o povo ainda estivesse tocado por uma espécie de má consciência.

As perguntas do Datafolha, ao menos na forma como apareceram na Folha Online, são um tanto estranhas e podem distorcer o que as pessoas realmente pensam, mas vá lá… Os números ajudam a pensar.

Homossexualidade
Informa-se, por exemplo, que 69% dos brasileiros acham que “o homossexualismo deve ser aceito por toda a sociedade”, contra 25% que acreditam que “ele deve ser desencorajado por toda a sociedade”. Vênia máxima, se as coisas foram postas desse modo, não se tem um retrato fiel do que pensam as pessoas. A razão é simples: o contrário de “aceitar” é “repudiar”; “desencorajar” é “encorajar”. É evidente que muita gente que “aceita” acredita, no entanto, que não deva ser encorajado.

O papa Bento 16 andou apanhando esses dias nas redes sociais pelo que que não disse. Ele apenas defendeu, E PARA OS CATÓLICOS, famílias formadas por homem, mulher e filhos. Não “repudiou” ninguém. Muitos defensores do governo iraniano confundiram Bento 16 com Ahmadinejad ou com o aiatolá Khamenei. É no Irã que se penduram os homossexuais em guindastes, não na Praça São Pedro. Mas retomo: ainda que com perguntas a meu ver distorcidas, parece que a pesquisa detectou uma visão tolerante dos brasileiros quantos a essa questão. O Datafolha poderia, no entanto, ter sido mais específico e indagado o que pensam os brasileiros sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo.

Armas
As questões referentes às armas também me parecem contaminadas pela indução. Dizem que “a posse deve continuar proibida porque ameaça a vida de outras pessoas” 68% dos entrevistados, contra 30% que acham que “arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender”. O Brasil já fez um referendo a respeito: a proibição da venda legal de armas perdeu por larga maioria. Ora, num país em que há 50 mil homicídios por ano, mais de 35 mil deles por armas de fogo, é evidente que a esmagadora maioria concordará com o que é uma sentença moral, não uma opção de política pública: “a posse deve continuar proibida porque ameaça a vida de outras pessoas”. Pra começo de conversa, há um erro aí: por que “continuar proibida”??? A arma legal é permitida! Por que “deveria ser um direito” quando, de fato, é um direito, desde que se cumpram as exigências legais?

Quando se fez o referendo, os brasileiros entenderam o óbvio: proibir a venda e a posse legais de armas só atingiria direitos das pessoas de bem, já que os bandidos, por definição, não têm mesmo… armas legais.

Pena de morte e pobreza
A maioria se opôs, o que me parece um bom sinal, à pena de morte: 55% a 42%. Acham que a pobreza deriva da falta de oportunidades iguais 61% dos brasileiros, contra 37% que afirmam que ela está ligada à preguiça. Huuummm… Aqui também vai um reparo: a palavra “preguiça” é um óbvio fator de distorção do resultado. Mas deixemos isso pra lá. É inegável que se espalhou a cultura no país do estado provedor. De resto, atribuir pobreza à “preguiça” nem é um marcador ideológico; é só uma tolice.

Até aqui, vimos o Brasil mais, digamos assim, “progressista”. Esse país encontra eco no Congresso, nas políticas públicas, na imprensa, nas ONGs, nas redes sociais etc. Mas há também o país bem mais conservador — saudavelmente conservador.

Brasil conservador
Acreditam, por exemplo, que os sindicatos “são importantes para defender os interesses dos trabalhadores” 49% dos ouvidos; mas um número quase igual, 46%, está convicto de que eles “servem mais fazer política”. O resultado parece expressar um descontentamento com a excessiva politização dessas organizações, que hoje estão incrustadas no aparelho de estado. De resto, sindicalismo, no Brasil, virou sinônimo de servidor público, já que praticamente não se ouve falar de greve no setor privado.

Violência
É quando responde sobre violência que o Brasil profundo dá uma resposta e uma aula para os deslumbrados do miolo mole. Apenas 39% dizem que “a maior causa é a falta de oportunidades iguais para todos”, contra 58% que afirmam que “é a maldade das pessoas”. E olhem que a palavra “maldade” certamente produz um ruído importante. Traz consigo um juízo moral tolinho, raso. Deveria ter sido trocada por “vontade” ou “escolha”. Quando se analisam os dados por faixas de renda, OS BRASILEIROS POBRES DÃO UMA LIÇÃO DE LUCIDEZ PARA OS BOBALHÕES DESLUMBRADOS. Querem ver?

1 – 60% dos que ganham até dois salários mínimos acreditam que NÃO É A POBREZA QUE GERA A VIOLÊNCIA. Só 37% têm essa percepção nesse grupo. Ora, os pobres recusam a pecha de potencialmente violentos porque sabem que isso é mentira. Na pobreza ou na riqueza, existe a possibilidade de escolher ou de recusar o crime. Entre os que ganham de 2 a 5, os números são quase iguais (60% a 38%).
2 – Na faixa de 5 a 10 mínimos, já tendem a crescer as vítimas da sociologice da miséria: caem para 52% os que recusam a hipótese de que pobreza induz violência, e aumenta para 47% os que creem nisso.
3 – Entre os que recebem mais de 10 mínimos, é maior o número dos que enxergam uma relação de causa e efeito entre pobreza e violência: 56% a 42%. Estes já tiveram o pensamento obnubilado pelo discurso politicamente correto, pela imprensa, pela pregação nas escolas…

Os realmente pobres, que ganham até cinco mínimos, sabem que eles estão aparelhados para fazer escolhas morais e para não delinquir, a exemplo de qualquer indivíduo rico ou da classe média. Os realmente pobres sabem que, se pobreza induzisse à violência, não seria possível botar o nariz fora da porta.

Adolescentes infratores
A maioria dos brasileiros também não cai na cascata do “menor infrator” impune. Entendeu o que a parvoíce sociológica se recusa a compreender: quando se estabelece que a imputabilidade penal só se dará aos 18 anos, define-se o limite do vale-tudo para quem está abaixo. É uma questão lógica. Antes que alguns comunas comecem a babar de rancor, cumpre constatar como são as coisas em Cuba: a maioridade penal na ilha se dá aos 16 anos. O Brasil é dos poucos países do mundo que a definiu em 18. Veja tabela.

Mesmo as perguntas do Datafolha sendo muito ruins (ao menos segundo o que foi publicado), o resultado é muito expressivo: 31% acham que “adolescentes que cometeram crimes devem ser reeducados”, contra 68% que acreditam “que eles devem ser punidos como adultos”. Por que digo que é ruim? Ora, eu, por exemplo, discordo radicalmente do que estabelece o tal ECA (eca!!!) hoje, mas rejeito que os criminosos entre 16 e 18 sejam “punidos como adultos”. O que quero dizer? Acho que é preciso haver estabelecimentos prisionais — sim, prisionais — especiais para condenados em regime fechado nessa faixa etária. Não ficarão com os adultos, mas também não serão postos na rua quando fizerem 18, ainda que já tenham alguns assassinatos nas costas…

A lei brasileira foi feita por aqueles tolos que acham que a pobreza gera marginais; logo, como não eram pobres porque queriam, então se fizeram assassinos por culpa… das suas vítimas! Uma ova! Os que ganham até cinco salários mínimos conhecem na pele a falsidade estúpida dessa proposição. Essa esquerda chulé que há no Brasil precisa parar de associar pobres a assassinos. Trata-se de um preconceito asqueroso de classe!

Drogas
O lobby dos maconheiros, um dos mais organizados do país, definitivamente, não conseguiu mobilizar muita gente. Apenas 15%, para desconsolo de muitos, são contra a proibição do uso de drogas porque “é o usuário que sofre as consequências”. Nada menos de 83% defendem a proibição porque “toda a sociedade sofre as consequências”.  O povo é bem mais sábio do que aqueles senhores que estão com uma campanha na TV promovendo a descriminação das drogas.

Deus
A pregação contra Deus também não faz fruto — e olhem que as questões apresentadas pelo Datafolha são, definitivamente, péssimas. Acham que acreditar em Deus “não necessariamente torna uma pessoa melhor” 13% dos entrevistados; já 86% acreditam que a crença “torna as pessoas melhores”.

Desculpem a franqueza, mas as coisas, postas assim, são estúpidas. No fim das contas, as pessoas estão dizendo, com raras exceções, se acreditam ou não em Deus. Esse juízo moral embutido nas perguntas confere a aparência de sectários e facciosos a indivíduos que podem ser exemplos de tolerância.

Eu acredito em Deus e conheço umas bestas ao quadro que também acreditam — e, pois, estaria entre os 13% que acham que isso “não necessariamente torna uma pessoa melhor”. E, por óbvio, conheço indivíduos de excelente caráter que são ateus. Os brasileiros são tolerantes com o ateísmo, até porque, como já observou Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”, a nossa religiosidade está longe de ser um exemplo de ortodoxia…

Caminhando para a conclusão
Que estranho país é esse que já aceita a homossexualidade (apesar da pergunta distorcida), que recusa a pecha de preguiçosos para os pobres, mas que recusa a vinculação entre pobreza e violência e não condescende com a discriminação das drogas? Senti falta, a propósito, de uma questão sobre o aborto. Parece ser um país que tende, de modo saudável, a distinguir o que é e o que não é escolha dos indivíduos. Não se é gay ou se nasce numa família pobre por escolha, é evidente. Mas praticar crimes e consumir drogas são atos da vontade, pouco importa a origem social do indivíduo.

Parece ser um país que pode ser tolerante com as diferenças, mas severo com aqueles que escolhem tornar pior a vida em sociedade; é um país que recusa a desculpa fácil do determinismo xucro.

O mais curioso é que esse país não está, prestem bem atenção!, no discurso dos políticos. Ao contrário até: por pressão de ONGs, da imprensa, dos aparelhos de estado tomados pela militância politicamente correta, o Brasil de verdade está muito longe da militância dos políticos do mainstream. No máximo, alguns picaretas e populistas virulentos se aproveitam de alguns temas ligados a comportamento e a valores e vão para a TV e para o horário eleitoral produzir histeria e obscurantismo.

O país que tem jabuticaba, pororoca e polícia que faz greve quando trabalha também é a única democracia do mundo que não tem um partido conservador forte, que seja alternativa de poder. As legendas que vocalizam um ou outro valores do que, mundo afora, se chama “direita” estão agarradas ao PT, recebendo carguinhos e prebendas.

Se isso, um dia, der em boa coisa, também será um caso único, como a jabuticaba, a pororoca e a polícia que, para fazer greve, trabalha…

Por Reinaldo Azevedo

Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo

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