STF institucionaliza "o que passou, passou" e o "daqui pra frente, tudo vai ser diferente" na legislação brasileira.
Um dia depois de deixar o governo e o mundo
jurídico em polvorosa, com o risco de nulidade de 560 medidas provisórias
editadas desde 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou ontem uma decisão
surpreendente: após ter declarado inconstitucional a lei que criou o Instituto
Chico Mendes, voltou atrás e decidiu pela constitucionalidade da mesma lei. Na
decisão de anteontem, por 7 votos a 2, o Supremo considerou a MP
inconstitucional por ter sido votada em plenário no Congresso, sem atender a
exigência de tramitar também numa comissão especial mista da Câmara e do Senado.
Com isso, todas as 560 MPs que tiveram o mesmo rito a partir de 2001, quando foi
criada a comissão especial, estavam ameaçadas de ter a constitucionalidade
contestada.
No recuo de ontem, o STF não só validou a lei
que cria o Instituto Chico Mendes, como decidiu que o rito da comissão especial
tem de ser observado apenas nas MPs editadas a partir de ontem. Ficam de fora as
50 MPs que já estão em tramitação, e todas as editadas e já transformadas em lei
desde 2001, como por exemplo, as que criaram o Bolsa Família, o ProUni, o Brasil
sem Miséria, do governos de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva; e, no
governo Fernando Henrique, a que instituiu o valor do salário mínimo em 2002 e a
que mudou a legislação tributária, sobre a cobrança do PIS/PASEP.
Caso a decisão de quarta-feira fosse mantida,
560 medidas provisórias convertidas em lei poderiam ser afetadas, se fossem
ajuizadas ações no tribunal. Esse número é fruto de levantamento da Câmara dos
Deputados. Segundo o ministro do STF Gilmar Mendes, há 50 ações no Supremo
contestando leis aprovadas da mesma forma. As leis deverão ser validadas no
julgamento. A polêmica foi lançada na quarta-feira, quando o STF declarou
inconstitucional a lei que criou o Instituto Chico Mendes. O motivo foi a forma
de tramitação. Uma resolução no Congresso exime a comissão mista de dar parecer
sobre o tema, se isso não ocorrer em 14 dias. O problema é que a Constituição
prevê a necessidade desse parecer, para que as medidas provisórias se tornem
lei. Ontem, o STF derrubou a resolução. Para não prejudicar apenas uma lei com a
nova interpretação, o STF mudou de ideia e declarou a criação do Instituto Chico
Mendes constitucional.
- Daqui para trás, todas as leis aprovadas
com a observância da resolução, nós consideramos que são constitucionais. Daqui
para a frente, como a resolução já não vige, o Congresso tem liberdade para
obedecer ao artigo 62, parágrafo nono, da Constituição - explicou o presidente
do STF, Cezar Peluso.
A reviravolta foi provocada por uma questão de
ordem levada ao plenário ontem pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
Ele argumentou que a decisão afetaria centenas de medidas provisórias aprovadas
pelo Congresso. O ministro Luiz Fux foi o primeiro a concordar. Seus colegas
então ponderaram e decidiram que a nova interpretação da resolução do Congresso
só valeria a partir de agora. Ou seja: os parlamentares terão de adequar a
tramitação apenas para as medidas provisórias que chegarem ao Congresso após o
julgamento do STF.
- Muitas dessas MPs que foram convertidas em
lei constituem marcos regulatórios importantíssimos sobre os quais se baseiam
nossa economia. O risco é enorme - alertou Ricardo Lewandowski. - A situação é
extremamente grave, uma das mais graves com as quais tenhamos nos deparado. A
decisão de ontem obriga o Congresso a refazer o rito processual. Se pode se
aplicar a outras leis - disse Gilmar Mendes. Lewandowski comemorou: - Essa é
uma solução pragmática e louvável.
A decisão de quarta-feira foi tomada por 8 a 1.
A maioria considerou inconstitucional a lei que criou o instituto. Só
Lewandowski votou contra. Argumentou que a forma de tramitação deve ser
resolvida apenas por parlamentares, sem que o Judiciário se intrometa. Ontem,
sete ministros apoiaram a reviravolta no julgamento da véspera, devido ao
impacto que a decisão traria. Só Marco Aurélio Mello e Peluso argumentaram que a
lei deveria continuar sendo considerada inconstitucional. ( O
Globo)
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