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terça-feira, 20 de março de 2012

E bote café pequeno nisso!...



Essa corrupção televisionada é café pequeno. Vão correr atrás dos peixes grandes?

Enquanto isso, projeto que pode punir as práticas de suborno dorme nas comissões da Câmara Federal

  
"Essas firmas têm contratos com empresas da órbita federal, estadual e municipal, e são generosas doadoras de campanha. Corrupção ampla, geral e irrestrita da iniciativa privada, envolvendo também agentes públicos"
Deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Empresários corruptores acabam impunes. Afinal, "não são diferentes dos outros"
 
Não me leve a mal, mas as cenas de suborno revelados pelo "Fantástico" são café pequeno diante das práticas de desvios dos dinheiros públicos que marcam a relação criminosa entre fornecedores e prestadores de serviço e um estado vulnerável desde priscas eras.
Têm o mérito de mostrar que o pontapé inicial dessa roubalheira é dado pela malta de corruptores privados. E só. Não chega a ser nem o que se poderia chamar de "ponta de um iceberg". O hospital que compõe o cenário é um pequeno comprador, comparado a uma estrutura de saúde que sorve um orçamento de mais de 80 bilhões só a nível federal.
Assim mesmo, duvido que peguem essas quatro empresas para uma devassa completa, investigando todos os contratos com os órgãos públicos, assinados em nome da "ética do mercado", a ética da propina escancarada. Afinal, só a Locanty doou na última campanha R 3,3 milhões para políticos governistas, a maioria do PMDB. Isso, doação formal - imagine o dinheiro que rolou por baixo dos panos.
Essa empresa recebeu R$ 181,3 milhões nos últimos cinco anos do governo Sérgio Cabral, em contratos com secretarias como as de Saúde, Segurança, Ciência e Tecnologia, Obras e Ambiente, além de instituições como o Tribunal de Justiça. Já a Bella Vista, fornecedora de alimentos, levou R$ 53,2 milhões do estado. Só da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) foram R$ 7,3 milhões no ano passado. Já a Toesa, entre 2008 e 2012, recebeu R$ 27,9 milhões. E a Rufolo, R$ 20,5 milhões.

Você não tem idéia do que se passa na macroestrutura que pulveriza as verbas na área, num universo que envolve a todos, municípios, Estados, hospitais privados, fundações e filantrópicas. Porque em todas as vendas, sobretudo de serviços, a propina é obrigatória e aceita como "parte do jogo" por todo mundo. Todo mundo sabe, esteja na boquinha ou não.

E ninguém faz nada, à espera que a fila ande e sobre umas patacas para si.

Mas também é ilusão achar que isso só ocorre na área da saúde. Ou na área pública. Qualquer comprador de uma rede de supermercados faz seu pé de meia com as gentilezas dos vendedores.

Hoje, você começa a ser surrupiado nas contas do seu condomínio, que descobriram na terceirização de quase tudo a fórmula segura de pegar um por fora. Há apartamentos no Rio em que você paga mais de condomínio do que de aluguel.

Esse sistema de compra e venda é típico de um regime moldado para o ganho por fora, esse "caixa 2" que fica à salvo inclusive do pagamento de impostos.

Isso eu já contei antes. Mas quem me deu atenção?

Há situações muito mais graves. Já escrevi aqui, por mais de uma vez, como funciona a corrupção nas obras públicas. Disse que ela é comandada pela própria Associação dos Empreiteiros, que criou a figura da "bola da vez" - um rodízio programado que assegura a cada empreiteiro o seu "quinhão", sempre garantido por exuberantes superfaturamentos e propinas proporcionais.

E não se cinge a "cartas-convites", modalidade que só se aplica até certo valor ou nos casos de emergência, casos a que se recorre abusivamente e que beneficiou empresas como a Delta Engenharia, de um prezado amigo do governador Sérgio Cabral, em grandes contratos de construção.

No caso das obras, a propina é tabelada e dividida em três partes: 10% para ganhar a "concorrência", 10% para molhar as mãos dos fiscais e 10% para receber, já que quem paga é outra Secretaria. Em fins de governos, os secretários de Fazenda chegam a cobrar até 50% para que a dívida não passe para outra administração.

Para dar cobertura formal a esse esquema, os orçamentos já prevêem o que chamam de BDI - boletim de despesas indiretas - estimadas exatamente em 30%.

De um modo geral, tem sempre parlamentares envolvidos nessas mutretas. Eles jogam pesado nas emendas que apresentam já direcionadas para certas empresas. E mais recentemente já direcionadas para certas ONGs. Todo esse jogo de pressão em favor das "emendas parlamentares" tem a ver com os 30% que, quase sempre, seguirão de forma sorrateira para seus cofrinhos.

Nas obras públicas, há tipos diferenciados de "lucratividade". Os empreiteiros preferem fazer estradas e obras de saneamento a construírem edificações, a menos de que o superfaturamento seja muito vantajoso ou o destinatário final seja um pobre coitado, sem senso crítico, que ganha uma casa "inacabada" nesses programas de moradia popular.

Mas todo o sistema é permeável e ninguém lida com ele sem a garantia de ganhos por fora. No passado, havia a desculpa da inflação elevada. Orçava-se muito acima e se faziam muitos "aditivos" sob a alegação da erosão do dinheiro. Mesmo agora, com a inflação baixa, a prática continua nos mesmos percentuais na maior cara de pau.

Lembro de muitos episódios quando fui secretário de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro. Um deles me chocou particularmente. Fui convidado para almoçar no antigo Albamar, de apetitosas peixadas, pelo governador de um grande clube de serviços.

Era um senhor de quase 80 anos, com quem havia cruzado em alguns eventos comunitários. Não sabia que o velho era dono de uma construtora. Isso foi em 1991, quando optamos por entregar a empresas privadas a construção de creches que até então fazíamos a passos lentos pelo regime de "mutirão remunerado".
Mal o garçom serviu um peixe à brasileira, ele pôs as cartas na mesa. Queria dez das 40 creches projetadas e me daria 10% de "comissão". Quase engoli espinhas e fiz um gesto de levantar-me da cadeira. Com uma fala traquejada, ele alegou que não se tratava de desvio de dinheiro público: ele apenas estava abrindo mão de parte do seu ganho.
O peixe ficou lá, pois perdi o apetite. Mas fiz questão de dividir a conta, despedi-me do preclaro e disse que só não o prenderia na hora devido à sua idade provecta, aos seus cabelos e bigode brancos. Ele ainda advertiu:
- Você está arranjando problema para você; dou agrados a gente muito mais poderosa, e ninguém vai gostar de saber dessa sua descortesia.

O diabo é que essas revelações dos dois jornalistas - André Luiz Azevedo eu conheço muito bem dese a década de 70 e é um profissional sério - vai se diluir com o tempo. As quatro empresas escolhidas para a mostra passarão por algum perrengue, mas depois estarão aí operando, com a ajuda dos políticos amigos. Ou de artifícios.

Na primeira vez que fui secretário, peguei uma empresa chamada Marcoren, entregando tubos simples, no lugar de "armados", que custam muito mais caro. Isso porque um deles caiu do caminhão e se despedaçou.O velho Waldemar, presidente da Associação da Rua Henrique de Góes, em Rocha Miranda, viu que havia algo estranho e me ligou. Mandei o meu então chefe de Gabinete, professor Cesar Augusto, ir pessoalmente ao local com ordens para levar todas as manilhas para a 40ª DP. No mesmo momento, publiquei ato tornando essa empresa inidônea para vender à Prefeitura.

Pouco adiantou. Seus proprietários, através de terceiros, passaram a usar outras que já dispunham como "laranjas" para "lavar" concorrências e garantir sua classificação.

Projeto contra corrupção dorme na Câmara

Há no Congresso desde 2010 o projeto de Lei 6826/10, enviado pelo próprio Executivo, que não é nenhuma obra prima, mas pode inibir as práticas de corrupção e suborno, na medida em que pune diretamente as empresas envolvidas em fraudes de licitação e superfaturamento, o que não acontece hoje, quando a empresa corruptora pode oferecer a cabeça de um funcionário e "dar a volta por cima".

Esse projeto decorre de um pacto assinado por 39 países para coibir atos de corrupção e suborno. Desse total, Brasil, Argentina e Irlanda são os únicos que ainda não aprovaram qualquer legislação a respeito.

Não é muita coisa, mas já é alguma coisa. O PL 6826/10 responsabiliza civil e administrativamente as empresas que se beneficiam de crimes contra a administração pública. Pelo texto, essas companhias ficam sujeitas a multas de até 30% do faturamento bruto do ano anterior, excluídos os tributos - quando não for possível determinar esse faturamento, o juiz poderá definir um valor entre R$ 6 mil e R$ 6 milhões. A intenção é recuperar os recursos desviados, uma vez que apenas 8% deles retornam aos cofres públicos, segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU).

Pergunta se você foi informado pela grande mídia desse projeto. Pergunta se essas ONGs exibicionistas estão colhendo assinaturas para sua aprovação. Pergunta se o governo a editou como Medida Provisória para ganhar tempo. Pergunta se a "oposição" que agora quer faturar encima da matéria do "Fantástico" deu algum passo para fazer o projeto andar. Pergunta se esse projeto está na pauta para votação.

A resposta será a mesma: embora definido em regime de prioridade e caráter conclusivo, o projeto dorme sob proteção do silêncio cúmplice de todos os que ou se fartam nas seculares práticas de corrupção ou se aproveitam dela para jogar para a platéia e alimentar o faz de conta que torna o nosso um dos paraísos da roubalheira ampla, geral e irrestrita.

E assim a farsa continua como marca registrada de u m país de espertos atuantes diante de um povo despolitizado, descuidado e alienado por outras "emoções". Que vira as costas para a política, deixando o campo livre para o macro crime organizado.

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