Trecho do discurso pronunciado por Pedro Taques, anticandidato à presidência do Senado, antes da votação em que foi derrotado por 56 renans calheiros.
“Apresento-me para combater o bom combate. Quero ser Presidente da Casa da Federação. Quero que a sociedade brasileira observe que as coisas podem ser diferentes, que o passado não precisa necessariamente voltar, que há modos novos e melhores de fazer política, que esta Casa não é um apêndice, um ‘puxadinho’ do Poder Executivo, mas que estamos aqui também pelo voto direto que nos deram o bom povo de nossos Estados. Chega do Senado-perdigueiro! Chega do Senado-sabujo! Somos senadores, não leva-e-trazes do Poder Executivo!”
O discurso de Pedro Taques
Veja, ouça e leia o discurso do senador Pedro Taques (PDT-MT), candidato da bancada ética, derrotado nesta sexta-feira por Renan Calheiros (PMDB-AL) na disputa da presidência da Casa do Espanto:
“Sr. Presidente, senhoras senadoras, senhores senadores. Cidadãos que nos acompanham pela TV e Rádio Senado. Amigos das redes sociais,
É como um perdedor que ocupo hoje esta
tribuna. Venho como alguém a quem a derrota corteja: certeira,
transparente, inevitável, aritmética. Sou o titular da perda anunciada,
do que não acontecerá.
Mas o bom povo de Mato Grosso não me deu voz nesta Casa para só
disputar os certames que posso ganhar, mas para lutar, com todas as
minhas forças, as batalhas que forem justas. Sigo o exemplo do apóstolo
Paulo, também um perdedor, degolado em Roma por levar a mensagem do
Cristo: quero poder dizer a todas as pessoas que combati o bom combate.
As palavras dos vitoriosos são lembradas. Seus feitos, realçados. Sua
versão, tende a se perenizar. O sorriso do orgulho lhes estampa a face,
tantas vezes, antes mesmo de vencerem. E nem sempre se pergunta que
vitória foi esta que obtiveram. Será a vitória do Rei Pirro, que bateu
os romanos na Batalha de Heracleia (280 A.C.) e olhando desconsolado
para suas tropas destroçadas, disse que “outra vitória como aquela o
arruinaria”? Será a vitória do Marechal Pétain, que ocupou o poder numa
França emasculada pelos nazistas, traindo o melhor de sua gente? Será a
vitória sem honra dos alemães diante do levante de Varsóvia?
Pois existem vitorias que elevam o gênero humano e outras que o
rebaixam. Vitórias da esperança e vitórias do desalento. E, tantas
vezes, é entre os derrotados, os que perderam, os que não conseguiram,
que o espírito humano mais se mostra elevado, que a política renasce,
que a sociedade progride.
Minha voz não é a da vitoriosa derrama de El-Rey de Portugal, mas a
dos derrotados inconfidentes que fizeram germinar o sonho da nossa
independência. O grande herói brasileiro, senador Aécio, ─ Tiradentes ─ é
um perdedor, pois a Conjuração Mineira não venceu, naquele momento, mas
nem as partes de seu corpo pregadas na via pública, ao longo do caminho
de Vila Rica, o impediram de ser um brasileiro imortal.
Valho-me da memória de outro grande brasileiro, Ulisses Guimarães,
anticandidato, lançado em 1973 pelo então MDB, MDB Jarbas Vasconcelos,
MDB Pedro Simon, MDB Requião, tendo como vice-anticadidato Barbosa Lima
Sobrinho. “Vou percorrer o país como anticandidato”, disse Ulysses, para
denunciar a “anti-eleição”, do regime militar.
Ulysses Guimarães, este grande perdedor, este grande brasileiro.
Pois aqui estou, emulando o espírito daqueles grandes homens:
Eu me anticandidato à Presidência deste Senado da República.
Apresento-me para combater o bom combate. Quero ser Presidente da
Casa da Federação. Quero que a sociedade brasileira observe que as
coisas podem ser diferentes, que o passado não precisa necessariamente
voltar, que há modos novos e melhores de fazer política, que esta Casa
não é um apêndice, um “puxadinho” do Poder Executivo, mas que estamos
aqui também pelo voto direto que nos deram o bom povo de nossos Estados.
Chega do Senado-perdigueiro! Chega do Senado-sabujo! Somos senadores, não leva-e-trazes do Poder Executivo!
Não podemos respeitar os demais poderes, o Executivo ou o Judiciário,
se não nos respeitamos a nós próprios. Não ajudamos a boa governança
constitucional, se nos olvidamos de nossos deveres, de nosso papel e
nossas prerrogativas. Nossa omissão alimenta o agigantamento dos outros
poderes, o que a Constituição repele.
É como derrotado que posso dizer francamente que a sociedade
brasileira clama por mudança, por dignidade, por esperança, por novos
costumes políticos, por uma nova compreensão de nosso papel como
senadores.
Anticandidato-me à Presidência do Senado, para combater o mau vezo do
Poder Executivo de despejar suas medidas provisórias, ainda que fora de
situações de urgência e relevância, em continuado desprestígio de
nossas prerrogativas legislativas.
Lanço-me para que façamos valer a Constituição e seu artigo 48, II,
segundo o qual devemos velar pelas prerrogativas de nossa Casa
Legislativa. Almejo aplicar severa e serenamente, o artigo 48, XI, do
Regimento Interno do Senado, segundo o qual o Presidente tem o dever de
impugnar proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis e
ao próprio Regimento.
Eu, anunciado perdedor, comprometo-me perante meus pares e perante
todo o país a impugnar estes exageros do Poder Executivo. Será que o
anunciado vencedor pode fazer idêntica promessa?
Vou aplicar o mesmo rigor aos “contrabandos legislativos”, impedindo
que o oportunismo de alguns acrescente às já abusivas Medidas
Provisórias as emendas de interesses duvidosos que nada têm a ver com o
objeto original da medida que se supõe urgente e relevante.
Prometo desconcentrar o meu poder como Presidente, distribuindo a
relatoria dos projetos por sorteio. Como agirá o vencedor? Distribuirá
apenas entre os seus?
Vou criar uma agenda pública e transparente, a ser informada a toda a
sociedade brasileira, para a apreciação dos vetos presidenciais, estas
centenas de esqueletos que deixamos por aqui. Vou designar as comissões e
convocar as sessões do Congresso Nacional que se façam necessárias.
Como farão os vencedores?
Vou além: toda a agenda legislativa tem de ser democratizada.
Comprometo-me a construir mecanismo pelo qual os cidadãos possam
formular diretamente requerimentos de urgência para votação de matérias,
nas mesmas condições que a Constituição exige para a iniciativa popular
de projetos de lei.
Farei ainda com que o Senado invista no desenvolvimento de mecanismos
seguros de petição digital, para facilitar a mobilização dos cidadãos
em torno das iniciativas populares já previstas na nossa Carta Magna.
Mobilizarei também toda a Casa para promover a atualização dos textos
dos Regimentos Internos do Senado e do Congresso Nacional, documentos
originários de resoluções dos anos 70, aprovadas durante o período
escuro de nosso país e anteriores até mesmo à nossa Constituição
democrática.
Aos servidores do Senado faço o compromisso de dar o que eles,
profissionais dedicados, mais querem: organização, estruturação
administrativa eficiente, seriedade, probidade. É também o que espera a
sociedade brasileira. Não serão tolerados abusos de qualquer ordem.
Funcionários públicos, representantes do povo, estamos aqui para servir a
Sociedade e o Estado e não para nos servimos deles!
Como farão os vencedores? O que farão aqueles que já venceram antes e
nada fizeram? Como esteve o Senado, quando ocupado pelos presumidos
vencedores de hoje?
Posso ser um perdedor, mas para mim, a lisura, a transparência, o
comportamento austero são predicados inegociáveis de um Presidente do
Senado. Será que os vencedores também poderão dizê-lo?
Os que hão de vencer dialogarão com a classe média, com os
trabalhadores, as organizações da sociedade civil, com a Câmara dos
Deputados, com estudantes e donas-de-casa? Os vencedores darão
continuidade a reformas como a do Código Penal, a Administrativa e o
Pacto Federativo, ou preferirão deixar as coisas como estão?
A ética estará com os vencedores ou com os perdedores, Senhores Senadores?
Quais de nós serão mais bem acolhidos, não nesta Casa, mas pela sociedade brasileira. Os vencedores ou os perdedores?
Queremos o melhor para nós ou o melhor para a nação?
Quais de nós serão mais bem acolhidos, não nesta Casa, mas pela sociedade brasileira. Os vencedores ou os perdedores?
Queremos o melhor para nós ou o melhor para a nação?
Existem voltas ainda hoje esperadas, como a de Dom Sebastião, que se
perdeu nas batalhas africanas. A volta do Messias, esperado por judeus e
cristãos. Os desaparecidos na época do regime militar, senador Aluísio,
que hão de aparecer, ainda que para a dignidade de serem enterrados
pela família.
Mas existem voltas que criam receios, de continuísmo, de letargia, de erros ressurgentes.
Sou o anticandidato, o que perderá. Não sou especial. Não tenho
qualidades que cada cidadão brasileiro, trabalhador e honesto, não tenha
também. A ética que proclamo é aquela que quase todos os brasileiros se
orgulham de cultivar. Eu não temo o próprio passado e, portanto, não
tenho medo do futuro. Falo pelos derrotados deste país, todos os que
ainda não conseguiram seus direitos básicos: as mulheres, senadora
Lídice da Mata; os índios, senador Wellington Dias; as crianças,
senadora Ana Rita; os negros, senador Paulo Paim; os assalariados,
senador Jaime Campos; os sem casa, senador Rodrigo Rolemberg; os sem
escola, amigo Cristovam Buarque.
Falo pelos sem voto, aqueles que, embora titulares da soberania
popular ─ o cidadão ─ se vêem alijados da disputa pela Presidência desta
Casa, porque o terreno da disputa se circunscreveu aos partidos da
maioria.
Essa não é mais a candidatura do Pedro Taques, e sim do PDT, do PSOL,
do PSB, do DEM, do PSDB e de corajosos senadores de outras legendas,
que não se submetem. Por que, como diz o poeta cuiabano Manoel de
Barros, “quem anda no trilho é trem de ferro, liberdade caça jeito”.
Essa candidatura é daqueles que nunca tiveram voz nesta Casa, é dos
mais de 300 mil brasileiros que assinaram a petição online “Ficha Limpa
no Senado: Renan não”, promovida pelo portal internacional Avaaz.
Sei que nossa derrota é certeira, transparente, inevitável,
aritmética. Mas faço minha a fala do inesquecível Senador Darcy Ribeiro:
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei,
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei,
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Nas andanças do tempo, vencedores podem ser efêmeros; os derrotados
de um dia, vencem noutro. Maiorias se tornam minorias. Mas a dignidade,
Senhores Senadores, jamais esmorece. Nós, os que vamos perder, saudamos a
todos, com a dignidade intacta e o coração efusivo de esperança.”
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