Por que mesmo Renan Calheiros se enrolou e foi obrigado a renunciar à presidência do Senado? Hora de voltar meros seis anos no tempo
A Procuradoria-Geral da República ofereceu denúncia contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) ao STF porque encontrou muitos problemas — o procurador-geral não diz quais porque o inquérito está protegido por segredo de Justiça — ao analisar a sua tentativa de comprovar a origem da renda. Muito bem! Já lá se vão quase seis anos desde que estourou o escândalo Renan. Vamos relembrar os fatos. Leiam reportagem de VEJA, de Policarpo Júnior, publicada na edição nº 2010.
Eis o homem que pode voltar à Presidência do Senado.
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Desde que a Operação Navalha foi deflagrada, o senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, tem sido instado a explicar suas relações com o empreiteiro Zuleido Veras, dono da Gautama. O senador tem dito que são apenas conhecidos, mas são mais do que isso. Em 1990, o empreiteiro bancou sorrateiramente a campanha do senador ao governo de Alagoas e, embora tenha terminado em derrota, a eleição serviu como marco de uma amizade sólida. Sólida mesmo, a ponto de o empreiteiro freqüentar a residência oficial do presidente do Senado. A situação de Renan Calheiros, porém, é mais complicada do que sua intimidade com Zuleido Veras. É que o senador tem outro amigo explosivo no submundo da empreita que, tal como Zuleido, freqüenta sua casa e, tal como Zuleido, é seu dileto amigo. O amigo de alta octanagem é Cláudio Gontijo, lobista da construtora Mendes Júnior, uma das maiores do país. Nos últimos anos, Gontijo, mais do que um amigo, tem se apresentado no papel de mantenedor do senador. VEJA apurou os laços financeiros entre os dois:
• O lobista da Mendes Júnior coloca à disposição do senador um flat num dos melhores hotéis de Brasília, o Blue Tree. O flat, número 2 018, é usado para compromissos que exijam discrição. Está em nome de Cláudio Gontijo.
• O lobista da Mendes Júnior pagou, até março passado, o aluguel de um apartamento em Brasília para o senador. O imóvel tem quatro quartos e fica em uma área nobre da capital federal. O aluguel saía por 4.500 reais.
• O lobista pagava 12.000 reais mensais de pensão para uma filha do senador, de 3 anos de idade. A pensão foi bancada por Cláudio Gontijo de janeiro de 2004 a dezembro do ano passado.
• O lobista ajuda nas campanhas do senador Renan Calheiros e nas de sua família. Já ajudou o próprio senador, seu filho e seu irmão.
Tal como Zuleido, Gontijo opera nas sombras. Oficialmente, ele é assessor da Diretoria de Desenvolvimento da Área de Tecnologia da Mendes Júnior há quinze anos. Na realidade, sua função é defender os interesses da empresa junto ao governo. A Mendes Júnior constrói aeroportos, metrôs, linhas de transmissão de energia e estradas. Tem fortes interesses no governo. Hoje, participa, entre outras obras, de um consórcio responsável pela construção do aeroporto de Vitória e fechou vários contratos com a Petrobras para a construção de tubulações e manutenção industrial. Tal como a Gautama, a Mendes Júnior também orbita no Ministério de Minas e Energia, do qual foi demitido o ministro Silas Rondeau. Foi a partir desse ministério que Gontijo estendeu sua área de influência a outros setores do governo nos últimos anos. Com a ajuda de Renan, chegou a indicar nomes para cargos públicos, como o do engenheiro Aloísio Vasconcelos Novais, que assumiu a Eletrobrás quando Rondeau deixou o cargo para ser ministro de Minas e Energia.
O senador Renan Calheiros caiu nas graças do lobista. Nos últimos três anos, a pedido de Renan, o lobista pagou os 4.500 reais de aluguel do apartamento de quatro quartos. No imóvel, até recentemente, morava a jornalista Mônica Veloso, com quem o senador tem uma filha de 3 anos, que recebe a pensão do lobista. Todos os meses, a jornalista ia ao escritório da Mendes Júnior, no 11º andar do Edifício OAB, situado na Asa Sul, onde pegava um envelope branco, timbrado, com o endereço, os telefones e o nome de Cláudio Gontijo. O envelope era identificado com suas iniciais – MV. Dentro havia sempre 16.500 reais. Era o aluguel mais a pensão de 12.000 reais para a criança. VEJA teve acesso ao contrato de locação do imóvel. Nele, Gontijo assina como fiador. Seguindo orientação do senador, o lobista contratou uma empresa de vigilância para garantir a segurança de Mônica Veloso e sua filha. A direção da Mendes Júnior diz que isso tudo é “questão pessoal” de Gontijo e que desconhece esses pagamentos. Procurada por VEJA, Mônica Veloso preferiu não se manifestar.
Cláudio Gontijo também cedia ao senador um flat no hotel Blue Tree, em Brasília. A VEJA, ele confirmou que conhece Renan Calheiros. “Ele é meu amigo, nada mais.” Ele diz que classifica como maldade as insinuações de que freqüenta a casa do senador e que, por interesse, lhe presta favores. “Parei de ir à casa dele desde que ele virou presidente do Senado para evitar problemas”, disse Gontijo. O lobista admite que entregava dinheiro para quitar as despesas de Mônica Veloso, mas ressalva que o dinheiro não era nem dele nem da empreiteira. De quem era? “Só posso dizer que não era meu”, responde. O senador Renan Calheiros diz que ele mesmo era o dono dos recursos. “O dinheiro era meu”, afirmou. Se era seu, por que o lobista fazia a intermediação? Nesse ponto, Renan diz que não falará mais sobre um assunto que está sob segredo de Justiça. Renan ganha 12.700 reais brutos por mês como senador, que complementa, nas palavras dele, com “rendimentos agropecuários”. Pensão e aluguel, como se viu anteriormente, somam 16.500 reais. A vida íntima do senador Renan Calheiros diz respeito apenas a ele próprio. Não é um assunto público. Mas, quando essas relações se entrecruzam com pagamentos feitos por um lobista, o caso muda de patamar.
O lobista Gontijo nega que a Mendes Júnior tenha se beneficiado da proximidade com Renan Calheiros para conseguir contratos com o governo: “Não temos nenhuma obra sendo executada no governo federal”. Lembrado de que tem contratos com Infraero, Petrobras e Eletrobrás (todas áreas sob influência do senador), o lobista retruca: “Para nós, isso é obra privada”. Perguntado sobre o flat que empresta ao senador, encerra a conversa: “Não vou responder mais nada”. O lobista também ajudou a família Calheiros em campanhas políticas. Nas eleições de 2004, sempre por trás da contabilidade oficial, contribuiu com as campanhas de Renan Calheiros Filho (filho do senador), de Robson Calheiros (irmão do senador) e de José Wanderley (afilhado político do senador). Certa vez, o lobista chegou a reclamar que os pedidos financeiros de Renan Calheiros estavam exagerados. “Cláudio, arruma aí, pede emprestado”, solicitava o senador, de acordo com a versão contada pelo lobista a um interlocutor que conversou com VEJA. Não se sabe o tamanho da ajuda que o lobista deu. Renan Filho foi eleito prefeito de Murici, Robson Calheiros ganhou a suplência de vereador e o médico José Wanderley não se elegeu. No ano passado, emplacou como vice do tucano Teotonio Vilela, governador de Alagoas.
As relações empreiteiro-familiares do clã Calheiros também envolvem o deputado Olavo Calheiros, outro irmão de Renan. No âmbito da Operação Navalha, a polícia captou um diálogo entre Zuleido e Fátima Palmeira, diretora da Gautama, em que eles conversam sobre uma emenda que teria sido oferecida pelo deputado Calheiros, que beneficiaria a empresa. “É o seguinte: aqui, o Olavinho passou aquela emenda que ele tem para a gente”, diz Zuleido. “Empreiteiro é bravateiro, quer vender prestígio”, justifica Olavo Calheiros, informando que a emenda foi apresentada há dez anos. Pode ser mesmo uma bravata, mas o deputado Olavo Calheiros sempre atuou como uma espécie de abre-alas para empreiteiros amigos. Zuleido, quando tinha dificuldades para se encontrar com ministros para tratar de licitações de obras e liberações de recursos, acionava Olavo Calheiros. O deputado marcava audiência com o ministro e levava o empreiteiro na bagagem. Dois ex-ministros de Lula relataram a VEJA que receberam Olavo Calheiros em audiências às quais ele, de surpresa, apareceu acompanhado pelo empreiteiro Zuleido Veras.
As investigações sobre a Gautama de Zuleido Veras também mostram que os tentáculos do empreiteiro chegavam ao Tribunal de Contas da União. Em uma conversa captada pela polícia, Zuleido insinua ter acesso privilegiado a pelo menos dois ministros do TCU – Augusto Nardes e Guilherme Palmeira, parente de uma personagem importante do escândalo, Maria de Fátima Palmeira, diretora comercial da Gautama. Renan Calheiros também é íntimo de Guilherme Palmeira. Em 2004, Palmeira chegou a informar o senador a respeito do curso do processo que tramitava no Tribunal Superior Eleitoral sobre a cassação do então governador de Alagoas, Ronaldo Lessa – assunto que interessava a Renan Calheiros. A VEJA, o ministro Guilherme Palmeira confirma que é amigo de Renan, conhece Zuleido Veras, mas diz que nunca atuou em processos de interesse da Gautama. “Ao menos que eu me lembre, não!” Conta que chegou até a receber algumas vezes Fátima no gabinete, mas encaminhou-a ao relator dos processos. O ministro, de fato, tem memória fraca. Ele foi relator do processo número 008 887/2002, que apura irregularidades num contrato da Gautama com a prefeitura de Porto Velho. Consultado por VEJA, mas sem conhecer o caso concreto, o advogado Roberto Caldas, membro da Comissão de Ética Pública da Previdência, diz que a relação financeira entre um parlamentar e um lobista de empreiteira é condenável. Diz ele, falando em tese: “Evidentemente, esse tipo de relação é inaceitável para alguém que ocupe um cargo público”.
Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
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