O contrabando chavista é nosso
O Brasil apoiou o adiamento da posse presidencial na Venezuela para esperar um pouco mais por Hugo Chávez. O jeitinho venezuelano de preservar sua democracia na marra tem dessas licenças poéticas. A lei é soberana, desde que não contrarie as conveniências do espírito bolivariano, encarnado no coronel-presidente. Diante desse truque da esquerda bandoleira, o Brasil poderia até ter deixado passar, ter fingido que não viu, ter mudado de assunto. Mas não: ergueu-se a voz do Itamaraty, sacudindo o Barão do Rio Branco nas catacumbas, para anunciar que o governo da companheira Dilma apoia o contrabando político do companheiro Chávez.
A solidariedade é compreensível. São dois projetos – o que governa o Brasil e o que governa a Venezuela – irmanados no mesmo princípio essencial: não largar o osso, custe o que custar. Nunca é demais lembrar que o Itamaraty, na era do governo popular, segue a linha doutrinária de Marco Aurélio Garcia – aquele flagrado comemorando com gestos obscenos (o clássico “top-top”) a notícia de que as duas centenas de mortes no acidente da TAM se deveriam a falhas do avião, e não do governo.
A escala de valores dessa turma, como se vê, obedece a códigos humanitários muito especiais. Também ficou na história – ou melhor, não ficou, porque o Brasil esquece tudo – a declaração do então ministro da Previdência e prócer do PT, Ricardo Berzoini, durante uma operação para recadastramento de aposentados do INSS. Depois de insistir em obrigar velhinhos de 90 anos a penar em filas imensas a céu aberto, Berzoini finalmente recuou diante das imagens de idosos desmaiando nas calçadas. E justificou o recuo, placidamente, dizendo que o “desgaste” seria grande. Com aposentados sob tortura nas ruas, o ministro se referia ao desgaste do PT. Eles só pensam naquilo.
Os interesses da nação têm obedecido a crenças que até Deus duvida É, portanto, absolutamente natural o apoio do Itamaraty ao cambalacho constitucional dos companheiros chavistas. O que importa é manter viva a lenda terceiro-mundista da revanche popular sobre as elites – conto de fadas que alimenta a mais formidável indústria do voto da história das Américas.
Foi sob essa mesma doutrina que Lula trocou carinhos em público com o sanguinário Muammar Khadafi, o falecido (linchado) ditador líbio que brilhava no presépio do antiamericanismo. Com Mahmoud Ahmadinejad, o tarado atômico do Irã, o governo popular foi mais longe, convidando-o para passear de queixo empinado em nossos quintais – como parte da pantomima de resistência contra o império ianque. Sem falar na comparação antológica do lulismo entre bandidos paulistas e presos políticos cubanos – para legitimar o apoio do PT a Fidel Castro.
E tome literatura progressista, com a aliança folclórica entre as “presidentas” Dilma Rousseff e Cristina Kirchner – na qual a brasileira banca ideologicamente os arroubos autoritários da colega argentina, em sua cruzada contra a liberdade de expressão. O mesmo plano de controle da mídia está firme no ideário do PT, e só não foi posto em prática (ainda) porque a imprensa brasileira é mais vigorosa. Mas a demagogia tarifária que apodreceu o setor elétrico argentino já foi devidamente importada, com as conseqüências devastadoras a que o Brasil hoje assiste nas empresas de energia.
O alinhamento do Itamaraty com mais esse golpe da democracia privatizada venezuelana não é só um ato vergonhoso, para enriquecer o folclore de um governo que fala com o mundo por meio do sectarismo obsceno de um Marco Aurélio Garcia. Esse gesto expressa a inequívoca tentação chavista do regime liderado pelo PT, que está há dez anos manobrando para subjugar o Estado brasileiro pelo apa- relhamento político. O mensalão nada mais foi do que o capítulo mais escandaloso dessa doutrina.
Mas os brasileiros não se importam com a implantação desse parasitismo institucionalizado, e marcham para dar-lhe o quarto mandato presidencial consecutivo, visando ao aperfeiçoamento da obra.
O Itamaraty pode apoiar todos os golpes chavistas, assim como pode dar passaporte diplomático para Valdemiro e Franciléa, líderes da Igreja Mundial do Poder de Deus, alegando que isso seja de interesse nacional. Deve ser mesmo. Os interesses da nação têm obedecido a crenças que até Deus duvida.
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