Pesquisar neste Blog

sábado, 28 de setembro de 2013

Insistência num modelo equivocado


  • Desinteresse de investidores privados estrangeiros evidencia falha grave nas licitações

ARTIGO - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
Publicado: 



As duas primeiras licitações para concessões de rodovias e os preparativos para o leilão do campo de Libra, no pré-sal, já permitem perceber sérias dificuldades no esforço do governo para atrair investimentos privados para a infraestrutura de transportes e a produção de petróleo.
O esforço mostra contradições advindas da indisfarçável ambivalência que vem marcando as convicções, recém-estreadas, do governo sobre a necessidade de deixar ao setor privado a responsabilidade pelos investimentos que se fazem necessários nessas áreas. Embora esteja empenhado em atrair investidores privados, o governo continua aferrado à extemporânea ideia de que grande parte dos investimentos requeridos deverá ser financiada pelo Tesouro.
Chama a atenção o desinteresse de investidores privados estrangeiros. Dos oito interessados na licitação da BR-050, o único estrangeiro era um grupo que já vem atuando no País há algum tempo. No caso do leilão de Libra, das dez empresas estrangeiras que manifestaram interesse em participar, seis são estatais, três das quais, chinesas. Tanto num caso como noutro, o desinteresse de investidores privados estrangeiros evidencia falha grave na concepção das regras que pautam as licitações.
Em vez de criar condições adequadas para atrair investimento estrangeiro efetivo para o setor de infraestrutura, o governo insiste em mais do mesmo: um arranjo em que o próprio Tesouro deverá financiar — a juros subsidiados, com recursos advindos de emissão de dívida pública e repassados ao BNDES — 70% do programa de investimento que será exigido das empresas que ganharem as concessões de rodovias.
Trata-se de aposta tardia e melancólica na sobrevida do desgastado modelo adotado, ainda no governo Lula, nas licitações das usinas hidrelétricas do Sul da Amazônia. Sem poder contar com licitações bem concebidas e um ambiente de investimento que engendre tarifas módicas de forma natural, o governo tenta mais uma vez assegurar modicidade tarifária na marra, despejando sobre as concessões todo o dinheiro público que se fizer necessário. E, como bem ilustra o fiasco da licitação da BR-262, constata agora que, mesmo assim, pode não conseguir atrair investidores.
Já no caso do leilão de Libra, o que se noticia é que a Petrobras não se contentaria com a participação mínima de 30% que lhe será exigida, sob qualquer circunstância, por força da esdrúxula legislação que regula a exploração do pré-sal. E que, nesse caso, tendo em conta a fragilidade financeira da empresa, o Tesouro lhe garantiria os recursos necessários para fazer face aos encargos adicionais de investimento que a ampliação de participação viesse a exigir.
A isso chegamos. Há poucos dias, o governo, a duras penas, conseguiu evitar, por um voto, que fosse derrubado o veto da presidente Dilma ao fim da multa de 10% do saldo FGTS, no caso de demissões sem justa causa. E, para isso, teve de chorar lágrimas de esguicho sobre o impacto catastrófico que a perda da receita proveniente da cobrança da multa teria sobre programas de gastos sociais em curso. Descobre-se agora que, no mesmo orçamento em que os recursos para gastos sociais são tão escassos, parece haver folga de sobra para que o Tesouro banque extravagâncias dessa ordem no leilão do pré-sal.
Continua faltando ao Planalto percepção mais clara da seriedade da restrição fiscal com que se debate a economia brasileira. Os três níveis de governo extraem da economia 37% do PIB em tributos, mal conseguem investir 3% do PIB, continuam com gastos correntes crescendo bem mais rápido que o PIB e com endividamento em ascensão, já da ordem de 60% do PIB. Nesse quadro, salta aos olhos que a insistência numa estratégia de crescimento econômico que atribui ao Tesouro o ônus de financiar grande parte do investimento privado está fadada ao insucesso. O mesmo insucesso que terá quem tentar se suspender no ar pelos cordões dos próprios sapatos.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

Nenhum comentário: