Jucá está prestes a ser julgado em caso que tem até dinheiro jogado no mato
Josias de Souza
Está pronto para ser julgado no Tribunal Regional Eleitoral de Roraima um processo em que o Ministério Público Eleitoral pede a cassação do mandato do senador Romero Jucá, do PMDB. Ele é acusado de movimentar verbas de má origem na campanha eleitoral de 2010. O processo tem passagens inusitadas. Numa delas, um colaborador de Jucá arremessou pela janela do carro um envelope contendo R$ 100 mil. Fez isso ao notar que uma viatura da Polícia Federal o seguia.
A denúncia contra Jucá foi protocolada em 27 de dezembro de 2010. Só agora, perto de fazer aniversário de três anos, o caso entrou em sua fase final. Há dez dias, os autos foram à mesa do relator, o juiz Marcos Rosa, com o carimbo de “conclusos”. Aguarda-se para breve o voto do magistrado e o veredicto do tribunal. Em suas alegações finais, a Procuradoria Eleitoral reforçou o pedido de cassação de Jucá e de seus dois suplentes: Wirlande Santos da Luz e Sander Fraxe Salomão.
A Procuradoria lamentou que o juiz houvesse indeferido pedido de inquirição de uma testemunha. Chama-se Amarildo da Rocha Freitas. Ele já falou na fase do inquérito policial. Mas os procuradores que cuidam do caso devem recorrer ao plenário do TRE-RR para ouvi-lo novamente. Jucá tenta impedir.
Empresário, Amarildo é irmão do deputado federal Urzeni Rocha (PSD-RR), do grupo político de Jucá. Ele atuou como colaborador da campanha do senador. Às vésperas do primeiro turno da eleição de 2010, Amarildo foi ao escritório de Jucá, que funcionava defronte do comitê eleitoral do PMDB, em Boa Vista. Na saída, carregava um envelope. Entrou no carro, virou a chave e partiu.
Súbito, Amarildo notou que uma equipe da Polícia Federal o seguia. Lançou o envelope pela janela do carro. Os agentes da PF recolheram o refugo num matagal. Dentro, havia R$ 100 mil. Repetindo: o colaborador de Jucá jogou R$ 100 mil pela janela.
Ouvido na época, Amarildo declarou que recebera o dinheiro das mãos do próprio Jucá. Jogou o envelope no mato, segundo disse, porque ficou “assustado” com o cerco policial. Na ocasião, Jucá reagiu assim: “Não entreguei dinheiro a ninguém, não é dinheiro meu, não é dinheiro de campanha, todo o nosso dinheiro está declarado.” A verba foi retida.
Passada a eleição, apagaram-se os refletores. E Jucá animou-se a reinvindicar o numerário. Justificou-se: “O dinheiro não era meu. O dinheiro, fui saber depois, era do comitê financeiro da minha campanha. Eu não cuidava de pagamento.'' Para alívio geral, estava restabelecida a lógica da existência humana que, como se sabe, gira ao redor do dinheiro.
O cidadão pobre sua a camisa para ganhá-lo. O rico multiplica-o. O falsário fabrica-o. O ladrão rouba-o. No fundo, todo mundo ambiciona o dinheiro. Maluco que arremessa pela janela pacote de dinheiro sem dono era coisa que não fazia nexo.
Além dos R$ 100 mil, a PF apreendera com outro colaborador de Jucá, Luís Antônio Teixeira da Silva, um pacote com R$ 80 mil. Deu-se também às vésperas do primeiro turno, na cidade de Mucajaí, a 50 quilômetros da capital Boa Vista. Em suas alegações finais, a Procuradoria Regional Eleitoral de Roraima sustentou que o senador não conseguiu comprovar que os R$ 180 mil tinham origem lícita.
O comitê de Jucá alegou que o dinheiro apreendido era parte de um cheque maior, sacado da conta do comitê. O mesmo cheque serviu de justificativa para um terceiro bolo de dinheiro apreendido pela PF: R$ 993,2 mil. As notas estavam nas dependências de uma empresa de transporte de valores chamada Transvig. Alegou-se que o dinheiro pagaria prestadores de serviço e material de campanha.
A Procuradoria Eleitoral não engoliu. A lei exige que recursos de campanhas eleitorais transitem exclusivamente por uma conta bancária aberta com finalidade específica. Os pagamentos devem ser feitos em cheque ou transferência bancária, não em moeda sonante.
Para os procuradores, as justificativas do comitê de Jucá soaram desconexas. Não conseguiram enxergar lógica na retirada de dinheiro do banco para guardá-lo numa transportadora de valores e só depois realizar os alegados pagamentos. A Procuradoria anotou no processo:
“Não há que se falar em licitude da conduta, uma vez que trafegar com dinheiro em espécie para pagamento de prestadores de serviços afronta a legislação eleitoral e inviabiliza qualquer forma de fiscalização por parte da Justiça Eleitoral, sem esquecer que os saques foram efetuados sete e cinco dias antes da apreensão, tempo incompatível com o gasto que se afirma destinar.”
De resto, a Procuradoria acusa o comitê financeiro de Jucá de realizar uma mandracaria contábil. Lançou como despesa de alimentação de “colaboradores de campanha” a cifra de R$ 2 milhões. E anotou como despesa com pessoal apenas R$ 220 mil. Na peça de acusação, a Procuradoria sustenta que o dinheiro que o comitê diz ter usado para comprar comida serviu, em verdade, para remunerar cabos eleitorais.
Nessa versão, a campanha de Jucá fez salário passar por comida para não ter que pagar aos cabos eleitorais os 20% de contribuição social ao INSS, “barateando sensivelmente a campanha e evitando a formalização dos gastos por meio de cadastramento de todos os prestadores de serviço da campanha eleitoral.” Supremo paradoxo: Jucá foi ministro da Previdência de Lula.
Por escrito, Jucá desmerece o trabalho da Procuradoria. Afirma que as alegações de seus acusadores não são acompanhadas de provas. E afirma que procedimentos como o transporte de dinheiro vivo para pagamento de despesas de campanha e o custeio de alimentação de cabos eleitorais são práticas que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admitiria como normais. É sob essa atmosfera de normal anormalidade que se processa o julgamento.
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