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sábado, 20 de outubro de 2012

SÓ SÃO ELES???


 Marginais do poder


Merval Pereira - O Globo  - 20/10/2012

A definição do que seja crime de formação de quadrilha é a última discussão teórica do plenário do STF antes da definição dos critérios para desempates e dosimetria das penas. A Corte está dividida entre os ministros que tratam esse crime dentro do estrito texto legal, e por isso não veem a existência de quadrilha no caso em julgamento, e os que, como o decano Celso de Mello, se permitem voos mais altos para chegar à conclusão oposta.

A paz pública, capítulo em que está inserido o crime de quadrilha, é o "bem tutelado", isto é, o objeto que a legislação procura proteger. As ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia não viram nos fatos descritos na Ação Penal 470 sinais de que havia uma ação criminosa desse tipo, mas apenas coautores de diversas ilegalidades, em benefício próprio, no primeiro momento em que esse crime foi julgado.

A legislação trata de crimes comuns perpetrados por quadrilhas, como roubos, sequestros etc... Para Rosa Weber, "a indeterminação na prática de crimes é a diferenciação de bandos e agentes pura e simples. (...) Entendo que houve aqui crime de coautoria". Quadrilha, na sua concepção, "causa perigo por si mesma na sociedade".

Quanto à ameaça à paz pública, a ministra considera que ela só se caracteriza na "quebra de sossego e paz, na confiança da continuidade normal da ordem jurídico-formal". E os membros da quadrilha têm a decisão de "sobreviver à base dos produtos auferidos em ações criminosas indistintas".

Cármen Lúcia fez um adendo às ponderações da ministra Rosa que pode ser importante na sua distinção entre o caso já julgado e o que estará em julgamento a partir de segunda-feira. Ela disse que a tese da Procuradoria Geral da União de que havia uma "pequena quadrilha", formada pelos políticos dos partidos aliados, dentro de outra quadrilha, esta a que vai ser julgada, não a convenceu.

Já Luiz Fux se disse convencido de que, demonstrada a "congregação estável entre os integrantes para o cometimento de crime, está caracterizado também o crime de quadrilha". Foi nessa ocasião que o presidente do Supremo, Ayres Britto, fez a observação que já ficou famosa no julgamento: "A pergunta então seria: o réu podia deixar de não saber, nesse contexto?" Marco Aurélio Mello, que inocentou o deputado Valdemar da Costa Neto do crime de quadrilha, assim o fez por questões técnicas: considerou que não estava configurada a reunião "de mais de três pessoas" como manda a lei, pois um dos réus está sendo julgado em outro processo, na primeira instância. No caso do núcleo político do PT, em associação com o núcleo operacional e o financeiro, a situação é outra, e não é certo que o ministro continue absolvendo os réus, inclusive porque já condenou outros pelo mesmo crime.

A definição mais abrangente em relação à ameaça à paz pública foi feita pelo ministro Celso de Mello, num voto histórico em que comparou os réus a "uma quadrilha de bandoleiros de estrada", definindo-os como "verdadeiros assaltantes dos cofres públicos", preenchendo os requisitos legais com uma aula de História.

Citou Cícero, que se referia à paz pública como sendo "a tranquilidade da ordem (...), o sentimento de segurança das pessoas". Para o decano do STF, "são esses os valores juridicamente protegidos ao incriminar o delito de quadrilha".

Celso de Mello identificou um "quadro de anomalia" que revela as "gravíssimas consequências desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, tanto públicos quanto privados, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar a atuação desses marginais no poder".

Embora interfira no resultado do julgamento apenas de maneira remota, pois pode aumentar a pena dos condenados, a definição do crime de quadrilha ganha uma dimensão política relevante neste julgamento. Isso porque a interpretação mais ampla de que a paz pública brasileira esteve ameaçada, pondo em risco o estado democrático de Direito - assumida por Celso de Mello e pelo presidente do Supremo, Ayres Britto, que chegou a falar em "golpe na democracia" e depois reinterpretou as próprias palavras para amenizar seu sentido -, traz consigo o entendimento de que o que houve foi uma conspiração institucional.


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